O Floresta Cidade, projeto de ensino, pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFRJ, elaborou o trabalho Pontos de Floresta, que pensa maneiras de construir cidades sustentáveis, democráticas e mais conectadas com a natureza. Os estudantes da FAU, a professora e coordenadora do projeto de extensão, Iazana Guizzo, e o arquiteto Daniel Mendonça, juntamente com moradores, artistas e comerciantes locais, foram os idealizadores da ação.
Organizada nas escalas de cidade, bairro, quintal, casa e corpo, a iniciativa propõe classificar a cidade do Rio de Janeiro a partir de “pontos de floresta”– locais estratégicos que incluam a natureza como parte principal do território, evitando que ela seja vista apenas como fonte de recursos e de exploração do meio urbano. Ainda sem sair do papel, o Floresta Cidade vem dialogando com a Prefeitura do Rio para que seja possível colocar a ideia em prática. A proposta é que os conceitos apresentados se espalhem por toda a cidade e para outras metrópoles, a partir de pontos específicos que passem a integrar a natureza de forma mais abrangente.
A escala “cidade” representa a formação de florestas urbanas: espaços que vão além da criação de áreas verdes no meio urbano. Segundo o projeto, a cidade do Rio de Janeiro é um local em potencial para o estudo, porque abrange culturas afro-ameríndias ativas pela região que naturalmente já integram a natureza em seus cotidianos, além de contemplar duas florestas urbanas. A coordenadora da iniciativa, Iazana Guizzo, explica que esses locais seriam pontos capazes de criar uma conexão verde entre as florestas existentes no Rio de Janeiro e a Baía de Guanabara, por exemplo. Assim, os moradores locais poderiam aprender e replicar ações sustentáveis em suas casas e nas ruas: construir hortas urbanas, promover produção parcial de alimentos, recolher a água da chuva, adaptar residências para um saneamento ecológico e descentralizado etc.
Na escala “bairro”, o Floresta Cidade propõe instituir pontos de práticas ambientais e cozinhas coletivas, com o intuito de reunir saberes locais sobre o solo, plantas medicinais e alimentícias, receitas, entre outros. O bairro é, portanto, um aglomerado de culturas populares, educação e habitação territorial na floresta urbana. Segundo a docente, o ponto de floresta seria uma espécie de escola, em que todos aprenderiam a “fazer floresta dentro da cidade”.
Pensado para abranger diversos públicos e possibilitar o acesso remoto de qualidade, o “quintal” é planejado para promover qualidade de vida e interação entre os cidadãos. Ou seja, os quintais seriam locais de ótima conexão que garantiriam acessibilidade similar ao centro da cidade por toda a região urbana. Além de internet rápida, também proporcionariam salas de estudo e reuniões, copas coletivas e demais áreas integrativas. Como apresenta o projeto, esses espaços existiriam em locais como Gamboa, Madureira, Padre Miguel, Nilópolis e São Cristóvão – onde estão escolas de samba e as sedes de artes públicas –, entre outras áreas da cidade.
A “casa”, por sua vez, funcionaria como uma universidade popular. O Pontos de Floresta pretende inverter a lógica do desperdício, propondo locais que invistam em pesquisas e construção própria, a partir da utilização de materiais preexistentes. Tais universidades populares seriam dedicadas à comunidade local e estimulariam a presença de casas e bairros mais ecológicos e diversos. “Trata-se de uma educação que parte do convívio e do cuidado com o território e que integra diferentes campos do saber atentos à regeneração dos territórios”, apresenta o projeto.
Por fim, a proposta também inclui o “corpo” como uma parte do sistema florestal urbano, com o intuito de fomentar uma cultura humana vinculada ao meio ambiente, a partir da qual os indivíduos entendam o seu papel neste ciclo, respeitem o espaço e vivência de outras espécies e também se sintam parte da natureza. Para Iazana, a escala “corpo” é “também uma maneira de reflorestar as nossas próprias cabeças”.
Trabalho da FAU propõe a construção de cidades baseadas em diferentes escalas que se relacionam
O projeto Pontos de Floresta foi um dos cinco vencedores do Concurso Nacional de Ideias “Outros Futuros são Possíveis: Territórios e Cidades Democráticas”, promovido pelo Instituto Lula em parceria com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). A premiação buscou selecionar iniciativas que pensam cidades ou moradias conectadas aos aspectos ambientais e étnicos, à mobilidade, ao acesso à terra e aos serviços públicos necessários à vida.
Floresta Cidade
O Floresta Cidade é um projeto de ensino, pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFRJ. Com parcerias em comunidades na Gamboa e Maré, além de frentes indígenas de diferentes territórios dentro e fora do Rio e do recôncavo da Guanabara, a ação busca unir os saberes acadêmicos aos de povos tradicionais para pensar a construção de cidades mais conectadas com a natureza e com a cultura local.
O projeto mostra outras maneiras de habitar as cidades, fomentando a conexão direta dos estudantes com a natureza e instigando um olhar mais apurado aos ensinamentos de povos originários e afro-brasileiros sobre os territórios. Por meio de oficinas sensoriais e corporais, busca promover aos participantes uma educação afetiva e sensível de seus próprios corpos com a natureza, fazendo com se sintam parte dela para depois pensarem em formas de replicar isso nos territórios, na infraestrutura e na cidade como um todo.
“Nessas perspectivas, não há uma separação entre o que é humano e o que é natureza, como comumente pensamos nas universidades. Não há a clássica separação entre sujeito e objeto das nossas pesquisas, tampouco entre floresta e cidade das nossas metrópoles. E isso muda tudo: faz com que possamos afirmar que há mais de uma ciência possível.”
Além disso, o Floresta Cidade também realiza reuniões e eventos com comunidades tradicionais, artistas e pesquisadores para estudar maneiras de construir cidades sustentáveis que vão além dos métodos convencionais já existentes. Iazana explica que, tradicionalmente, a área da arquitetura e urbanismo não tem uma interface com alguns temas – como os biomas, por exemplo –, e que as práticas sensíveis corporais antes existentes estão cada vez mais distantes do ensino e da vida profissional desses campos.
Para a pesquisadora, a extensão universitária é uma chave para garantir essa união, pois permite expandir os limites da Universidade e, consequentemente, o conhecimento. Em sua avaliação, trazer os saberes tradicionais para o ambiente acadêmico é fundamental para a formação de cidades sustentáveis e relações interpessoais mais saudáveis e produtivas, além de iniciar um longo processo de reparação histórica. A sociedade pode aprender muitas perspectivas históricas e narrativas científicas do habitar a terra. Segundo Iazana, para os povos indígenas “nós somos floresta”.
“Para mim é uma sorte, uma alegria, uma honra morar em um país que resiste e por isso ainda tem essa possibilidade. O que o Floresta faz é pensar o corpo a partir de uma reconexão sensível e afetiva com uma terra viva. Então não é só plantar um monte de árvore, é ser Floresta”, conclui.
Fonte: Julia Mendes- Site UFRJ