De 1972, quando foi instituído o Dia Mundial do Meio Ambiente, na Conferência de Estocolmo, à Conferência Rio-92, Rio+20 e tantas conferências de cúpula sobre mudanças climáticas, biodiversidade e tantas outras sobre problemas ambientais em níveis mundial, nacionais, estaduais e municipais, entendeu-se que um dia era pouco para discutir a crise ambiental em diversos âmbitos. Então, foram acrescentados mais seis dias e criada a “Semana Mundial do Meio Ambiente”, continuando o dia 5 de junho a ser a data central do evento anual.
Por muito tempo, acreditei na importância desse dia e dessa semana. Participei de muitos eventos, acreditando sinceramente que estava contribuindo para a transferência de informações e para o aumento de consciência. Por muito tempo, fui um pouco de Greta Thumberg a percorrer algumas cidades do Brasil, além daquela em que moro, levando a convicção de que minhas palavras contribuiriam para um mundo mais equilibrado do ponto de vista social e ambiental.
Particularmente, lembro-me de uma na cidade fluminense de Japeri, a convite do governo estadual. Viajei de ônibus até o Rio de Janeiro e de lá em outro ônibus até Japeri. Eu vestia uma camisa de manga curta e calça jeans, calçando um par de tênis velho. Eu falaria no início do evento para gestores públicos. Sozinho no alto de um palco, falei sobre a importância de proteger a natureza para homens engravatados e vestindo ternos. Eles me olhavam como se eu fosse um invasor estranho, um garoto, um indigente incômodo.
Minha presença não passava de formalidade. É preciso mostrar que homens e mulheres pragmáticos estão preocupados com a questão ambiental e a incorporam em seus planejamentos, como nos Fóruns Mundiais de Davos. Depois de certo tampo falando, percebi que eu já me tornava incomodo para os engravatados. Então, encerrei minha fala para que os homens “sérios” tomassem a palavra e discutissem a retomada do crescimento (que eles estão sempre retomando). Senti-me escorraçado pelos olhares e vim embora fazendo o mesmo trajeto da ida.
O anterior governo federal brasileiro escancarou o verdadeiro interesse por trás das belas palavras que ele (não tanto) e outros governantes pronunciam: enquanto pensam que nós somos sérios e enquanto a pandemia monopoliza a atenção da imprensa, abramos a porteira para a boiada passar. Rasguemos as normas não instituídas por lei que protegem o meio ambiente. Inclusive com o pedido da ministra da agricultura, que declarou publicamente seu interesse pelo ambiente a fim de melhor vender a produção agropecuária brasileira.
E o curioso é que só a fala do ministro da educação, em sua imbecilidade, preocupou o Supremo Tribunal Federal e outros juristas. Ricardo Salles propôs abolir normas legais na calada da noite e do dia. Na superfície dos eventos promovidos na Semana do Meio Ambiente, geralmente encontramos dois tipos de falas: aquelas sinceras de quem realmente se preocupa com a crise socioambiental e aquelas de quem finge preocupar-se com a questão.
Os sinceros geralmente não têm conhecimento do sistema em que se movimentam. Ignoram o peso dos dez ou seis séculos de economia de mercado. Daí concluírem inocentemente que, num evento ou com a boa vontade do governo, começaremos a mudar o mundo em uma semana ou em um ano. Um conhecimento mais profundo entenderia que não é possível construir um sistema junto com os pobres e equilibrado com a natureza. Entenderia que essa mudança só se efetua no mínio em 50 anos. Mas é preciso começar. Nós estamos ouvindo mentiras e pronunciamentos ingênuos desde 1972.
Todas as civilizações cometeram agressões contra a natureza, mas nenhuma alcançou a extensão e a intensidade da ocidental, exatamente a nossa e de toda humanidade atualmente, pois ela atingiu dimensão realmente global. Diante da crise socioambiental da atualidade, só vislumbro três caminhos à frente: 1- continuar privilegiando crescimento econômico convencional em detrimento da justiça social e da agressão à natureza. É o caminho mais rápido e mais cruel para o desastre global. Talvez, depois dele, nasça um mundo novo com os destroços; 2- as experiências feitas em pequena escala em direção a um mundo novo, como no campo da energia, da agricultura e do consumo. Tais experiências representam a crisálida de uma nova cultura, mas o grande risco é que dessa crisálida não nasça a borboleta de um novo mundo e que a crisalidada permaneça sempre crisálida; 3- um novo plano de instituição de um estado de bem-estar, como aconteceu na década de 1930. O capitalismo entendeu, a duras penas, que era preciso perder os anéis para não perder os dedos. Mas depois relaxou e voltou a cortejar um capitalismo puro, sem a regulação do Estado. É o chamado neoliberalismo, que nunca chegou a vigorar no mundo todo. Agora, carecemos de um estado de bem-estar socioambiental em cada país combinado com o abandono progressivo de soberania nacional em nome de uma autoridade mundial. Por mais que eu admire o ecologismo ou o ecossocialismo, entendo que ambos ou um apenas é inviável num mundo eminentemente capitalista, inclusive nos países considerados comunistas, como China e Coreia do Norte. E agora é um momento propício para iniciar a mudança. A pandemia mostrou a incompetência do neoliberalismo.
Podem discordar e condenar meu pessimismo, mas não apareceu melhor ecologista até agora que a covid-19. Graças à pandemia que ela criou, a acumulação dos gases causadores das mudanças climáticas diminuiu. Os rios se tornaram mais limpos. Animais selvagens começaram a retornar a lugares de onde foram expulsos. Mas, as florestas tropicais no mundo todo, sobretudo a Amazônia e a Mata Atlântica, estão sofrendo agressões severas.
Combatamos o novo coronavírus, mas não esqueçamos o ensinamento que ele nos transmitiu. Acho que, mais uma vez, estou sendo ingênuo ao manifestar minha esperança. Talvez a economia de mercado retorne com mais agressividade.
Quando se fala em Brasil no exterior, a primeira ideia que vem à mente da pessoa é o nome de Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos, e a Amazônia, a floresta mais ameaçada do mundo e que regula o clima do planeta. Pelé já se foi. A Amazônia está seguindo a mesma trilha. Não por ela. A economia global é que a ameaça. O atual governo federal brasileiro mudou o discurso. Agora, a Amazônia é uma das duas prioridades dele. A outra é acabar com a pobreza extrema dentro do país.
O discurso mudou entre empresários e políticos, mas as práticas não mudam de um dia para o outro. O cotidiano ilustra permanências e mudanças. A prospecção de petróleo na zona estuarina do rio Amazonas gera discussão, não mais cheia de convicções desenvolvimentistas como antes, mas demostrando que, pelo menos, atravessamos uma transição talvez longa entre a concepção clássica de desenvolvimento e a nova concepção compatibilista. Fica difícil pensar numa civilização ecologista, como a conceberam pensadores das décadas de 1970/80.
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