- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.
O espaço costeiro em que se ergueu Macaé está intensamente urbanizado. O trânsito de veículos congestiona a cidade nas horas de pico. O governo municipal satura a cidade de duas maneiras. A primeira é a expansão da cidade em direção ao interior, ocupando uma área que pertencia ao meio rural, onde ainda existem banhados associados à bacia do Macaé, fundamentais no controle de enchentes e estiagens. A segunda é o programa de macrodrenagem da cidade.
Pretende-se que ambos sejam planejados, mas ambos são problemáticos, por mais que se invoque o nome de urbanistas. A expansão já começou de forma nada planejada. Os indutores do crescimento urbano são, principalmente, a Linha Verde, a Linha Azul e a Rodovia RJ-168. O espaço escolhido para a expansão é uma área de colinas e maciços costeiros, formação constituída por baixas elevações e depressões. Ela é irrigada por banhados e pequenos cursos d’água, fundamentais para a retenção e o escoamento de águas pluviais e para controle de cheias. Contudo, o crescimento horizontal da cidade implica, por um lado, no desmantelamento dessa área do interior, o que fornece material argiloso. É o que, capciosamente, os engenheiros denominam “área de empréstimo”. Por outro, esse material é usado no aterro dos banhados. Em vários pontos da área escolhida para a expansão, avistam-se colinas escavadas pela retirada de material argiloso (TOUGEIRO, Jailce Vasconcelos. Conflitos socioambientais motivados por ocupação de manguezais e restingas para fins de moradia no espaço urbano de Macaé/1997-2007. Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense, 2008 (dissertação de mestrado).
Nas áreas aterradas, estão sendo construídas casas residenciais de alta e média rendas, encontrando-se também habitações populares; prédios destinados ao comércio, como shoppings, e à educação, como a cidade universitária; e prédios de instituições públicas. Os edifícios em que funcionam o Poder Judiciário Estadual, o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e a EMOPI foram construídos sobre um grande banhado aterrado, às margens da estrada RJ-168. O material para o aterro foi extraído de uma colina. Há fortes indícios de que a prefeitura prosseguirá aterrando os banhados para a construção de novas edificações. Nos aterros, já aprecem marcas de erosão provocada pelas chuvas.
Como as colinas se situam próximas às depressões onde se formaram áreas úmidas, a obtenção de material para aterros se torna fácil. Assim, em vários pontos de Macaé, cortes em colinas são encontrados. E o processo de crescimento para o interior e sobre áreas outrora úmidas e rurais, nada apresenta de ordenado.
Quanto ao programa de macrodrenagem, seus impactos não são menores que os aterros. Ele objetiva drenar as áreas úmidas para facilitar mais ainda o aterramento. Assim, a expansão urbana de Macaé tende a nivelar excessivamente o terreno, rebaixando as colinas e elevando as depressões. Ele inclui, também, a retilinização de inúmeros córregos que integram a bacia do rio Macaé, profusos originalmente. Pretende-se ainda conter a língua salina que avança pelo rio Macaé com a maré alta.
Macaé, hoje, é uma cidade saturada que busca soluções que agravam mais ainda a saturação. O rio Macaé deve ser entendido como o epicentro desse adensamento que já ultrapassou limites. Vigora a incapacidade de reconhecer limites.
Hoje, as águas do Macaé abastecem a cidade do mesmo nome, Rio das Ostras e Barra de São João, além da Petrobras e de outros empreendimentos. A capacidade do rio tem limites, como já demonstraram estudos do Nupem-UFRJ (ESTEVES, Francisco de Assis; MARTINS, Rodrigo Lemes; MOLISANI, Mauricio Mussi; PETRY, Ana Cristina; COSTA, Rafael Nogueira; MENEZES, Jackson de Souza, DARIO, Fabio Di; BARROS, Marcos Paulo Figueiredo de, MINCARONE, Michael Maia, GONÇALVES, Pablo Rodrigues e FONSECA, Rodrigo Nunes da. Carta das águas de Macaé: contribuição do Nupem/UFRJ para a governança dos recursos hídricos de Macaé. Cadernos NUPEM nº6.Rio de Janeiro/Macaé:UFRJ/Nupem, 2015) e do Comitê de Bacia Hidrográfica dos Rios Macaé e das Ostras (SEA/CBH MACAÉ OSTRAS- Secretaria Estadual do Ambiente/ Comitê de Bacias Hidrográficas dos rios Macaé e das Ostras. Plano de recursos hídricos da Região Hidrográfica Macaé e das Ostras: Relatório Síntese. Rio de Janeiro, 2014), mas eles não são reconhecidos pelos empreendedores. Um terminal portuário pretende se instalar no centro de Macaé. Embora a base de atracação esteja planejada para dentro do mar (já que em terra não conta com o mesmo espaço), toda a retroárea sobrecarregará a cidade e o rio Macaé, pois a água doce virá dele. Além do mais, oito termelétricas estão previstas para o município também recorrendo ao rio Macaé.
A previsão para o rio Macaé é sua falência. Um diminuto curso d’água e sua bacia não suportam manter o abastecimento público de água para três núcleos urbanos em crescimento e conurbação. Quem se desloca entre Macaé e Barra de São João (sem contar Unamar) tem a nítida sensação de circular dentro de uma única cidade. Além desse aspecto fundamental, que é o abastecimento público e que deve ser prioritário, conta-se ainda com o rio para sustentar um porto de empreendimentos geradores de energia de grande porte. Hoje, o cidadão comum e até o pesquisador entendem que Severina sempre apresentou o aspecto atual, assim como a foz do rio Macaé.
Torna-se fundamental dimensionar essa visão e esses estudos em perspectiva histórica, lembrando sempre que a bacia do Macaé corria originalmente na Mata Atlântica em seu aspecto ombrófilo, ou seja, denso, diversificado e úmido. Aspecto que encantou naturalistas europeus que o conheceram. Que a cidade de Macaé cresceu excessivamente com o advento da Petrobras. Que o rio Macaé não consegue abastecer a contento um complexo urbano tão denso e tão grande. Que há empreendimentos já licenciados ou em processo de licenciamento contando com a vazão cada vez menor do rio Macaé.
Por outro lado, a bacia do Macaé está sendo destruída. Primeiro, foi o grande desmatamento da bacia. Depois, foi a canalização do baixo curso do rio, drenando o brejo da Severina para a agropecuária. O brejo era de fundamental importância para assegurar o volume do rio. Mais recentemente, a foz do rio foi profundamente alterada com obras de dragagem efetuadas pelo extinto Departamento de Obras e Saneamento (DNOS), que criou a ilha Colônia Leocádia e colocou à disposição da expansão urbana uma grande área de manguezal. Agora, a prefeitura cuida de inviabilizar a rede hídrica natural da planície do rio, onde vários pequenos cursos e banhados eram de fundamental importância para alimentação do rio e para manutenção da biodiversidade. A vela está sendo queimada pelas duas pontas. Todos os esforços são feitos para destruir a bacia do Macaé. Nenhum projeto prevê a restauração e a revitalização da bacia, como manutenção dos pequenos cursos d’água que alimentam o rio, reflorestamento de margens, restauração de parte do brejo da Severina e o controle de empreendimentos que ultrapassem a capacidade de suporte do rio, comprometendo o vago conceito de desenvolvimento.
Limites devem ser reconhecidos pelas prefeituras, governo do estado, governo federal, empresários e população caso desejem que Macaé, Rio das Ostras e Barra de São João apresentem qualidade de vida.