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Mudanças climáticas nas plataformas digitais: a discussão do tema no Twitter

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As mudanças climáticas evidenciam a distribuição desigual das consequências ecológicas dos fenômenos. Na cidade do Rio de Janeiro, o cotidiano das comunidades vulneráveis é atravessado diretamente pelos impactos da crise climática, relacionada a questões de raça, gênero, classe, território, saúde e educação. Com a finalidade de compreender a participação da sociedade na criação de informações sobre a crise climática, um estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), verifica como o tema “mudança climática” é abordado no Twitter durante um evento climático extremo.

O trabalho “Rio de Janeiro e crise climática: governança, interatividade e construção discursiva no Twitter” analisou 375 mil tweets sobre as fortes chuvas que atingiram a cidade do Rio de Janeiro entre os dias 7 e 10 de abril de 2019. As postagens representam a visão dos usuários sobre os eventos climáticos extremos e a capacidade de envolvimento da sociedade no fortalecimento das redes de governança. A pesquisa identificou os agentes e os territórios produtores de informação, utilizando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do DATA.RIO.

A pesquisa foi liderada pela professora Francisca Marli Rodrigues de Andrade, do Departamento de Ciências Humanas da UFF, que comentou sobre a metodologia do estudo: “Pesquisamos palavras-chave e as associamos aos temas ‘mudanças climáticas’ e ‘aquecimento global’ para entender como os usuários da plataforma compreendem um evento climático extremo. Também observamos quem produziu essas informações e o sentido delas durante os dias do evento climático. A finalidade foi perceber como os usuários associam a chuva desproporcional às mudanças climáticas. Ou seja, como eles produzem suas narrativas em relação ao fenômeno.”

Os tweets foram classificados e analisados em seis categorias: negacionismo climático, adaptação, governança, vulnerabilidade, críticas ao ceticismo climático, educação e informação. Os resultados revelam a invisibilidade do problema nas plataformas digitais, visto que dos 375 mil tweets analisados, somente 53 citaram os termos “mudança climática” e/ou “aquecimento global”, representando 0,01% da totalidade.

Além disso, a representatividade de discursos de apoio ao ceticismo climático não é soberana (9,4%). Porém, o estudo evidencia como a corrente negacionista utiliza as redes sociais, entre elas o Twitter, para ampliar seu número de seguidores: com mensagens que deslegitimam as evidências científicas e a influência de importantes órgãos e agências internacionais. Os dados também mostram que 47% dos tweets apresentam elementos discursivos da categoria “governança”. Ou seja, essas mensagens apontam e criticam os posicionamentos e ações adotadas pelos governos municipais, estaduais e federais em relação à crise climática.

As mensagens das categorias “críticas ao ceticismo climático” e “governança” são dominantes e reprovam a imposição de crenças pessoais na gestão pública. Por fim, a “vulnerabilidade” e a “adaptação” representam a compreensão da realidade. Nessas categorias, a fragilidade democrática apresenta-se constante em razão da ausência do Estado e de políticas públicas que amenizem os impactos das mudanças climáticas.

Quem informa sobre os eventos climáticos e de onde vêm essas informações no Twitter?

O desdobramento do estudo resultou no trabalho “Crise climática na cidade do Rio de Janeiro: agentes e territórios de informação no Twitter”, também fruto da parceria entre os docentes da UFF, Francisca Marli e Alen Batista Henriques, com Tarssio Brito Barreto da UFBA. A partir do mesmo universo (375 mil tweets sobre as chuvas de abril de 2019 na cidade do Rio de Janeiro), a pesquisa aprofundou a investigação ao examinar os agentes e os territórios que enviaram as mensagens no Twitter sobre o período investigado.

Os autores exploraram os seguintes temas: bairros (publicações relacionadas aos bairros mais afetados da cidade durante o evento climático), usuários (perfis no Twitter, suas características e os conteúdos publicados) e mudanças climáticas. Os bairros Rocinha, Alto da Boa Vista, Barra da Tijuca, Jardim Botânico, Copacabana, Vidigal, Jacarepaguá, Urca, Recreio, Tijuca, Laranjeiras e Campo Grande foram selecionados em razão da intensidade das chuvas. Além disso, os cinquenta perfis mais citados na plataforma durante o período estudado foram divididos em grupos: representantes das mídias tradicionais e mídias independentes; representantes das agências públicas de transporte, saúde, segurança, defesa civil, entre outros; políticos em cargos de representatividade e sociedade civil.

Dos tweets encontrados, apenas 541 destacam que todos os agentes de informação reconhecem as chuvas de abril como um evento climático excepcional. No entanto, as mensagens enviadas por quase todos os segmentos da sociedade não citam as palavras “mudanças climáticas” e/ou “aquecimento global”, com exceção dos 53 tweets da sociedade civil. “Houve muito debate nessa rede social sobre a excepcionalidade do fenômeno, mas as mensagens não associaram ou não reconheceram esse acontecimento como um evento climático extremo relacionado à crise climática. Existe um vazio. Estamos falando da cidade do Rio de Janeiro, grande em nível populacional, com várias universidades, centros de telecomunicação e que abriga um dos principais jornais do país. Então, se temos essa quantidade limitada de tweets, pensamos que essa discussão não está sendo associada”, comenta a docente.

Embora o índice de chuva tenha sido maior nos bairros da Rocinha, Alto da Boa Vista e Barra da Tijuca, respectivamente, a maior repercussão do evento foi no Jardim Botânico, com 147 referências. Algumas características explicam o resultado: o bairro possui baixo grau de analfabetismo (0,006) e pobreza (2,69%), por isso foi referenciado em 32% dos tweets. Em seguida estão Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Tijuca e Rocinha, respectivamente com 15%, 14%, 13% e 11% de referências nas publicações. O bairro da Rocinha, que detém a maior taxa de analfabetismo (6,40) e pobreza (20,84%), ocupa a quinta posição de citações apesar de ter registrado o maior índice pluviométrico de chuvas.

Os estudos alertam sobre os fatores socioeconômicos e de acesso à informação que interferem em uma maior participação da sociedade nas discussões referentes à crise climática. Por isso, Francisca Marli defende que as questões ambientais precisam ser debatidas, como também constar nos currículos das escolas e universidades. “Com a expansão da internet no Brasil, cresceu também o número de usuários nas plataformas digitais. Isso não significa que o acesso à informação foi democratizado (…) Falta um maior engajamento social e um debate político mais profundo. É inadmissível não discutirmos sobre conceitos de justiça climática e racismo ambiental. O campo avançou muito na produção científica, mas esse debate ainda está restrito à comunidade científica. Precisamos democratizar o acesso a essas informações. Somente uma sociedade bem formada sobre os impactos da crise climática poderá construir ações de governança ambiental coerentes com as demandas das populações e seus territórios”, finaliza.

Fonte: Site UFF
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