- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.
Especialistas identificam três feições de manguezais. Três tipos fisiográficos. O mangue ribeirinho é o mais comum. Trata-se daquele bosque que se desenvolve no estuário de rios da zona intertropical, onde o encontro de água doce e salgada cria ambiente propício para o crescimento de espécies de mangue. O segundo é o mangue de bacia, que cresce em depressões em margens de rios perto da foz no mar, sempre na região intertropical. O substrato dessas depressões raramente fica exposto com o recuo das marés. A água acumulada em seu interior acaba selecionando as espécies de mangue mais resistentes a lâminas d’água estabilizadas. O terceiro tipo é o mangue de borda ou franja. Trata-se de bosques que se desenvolvem em praias sem a necessidade de água doce em sua retaguarda.
Em Búzios, na Região dos Lagos, existem mangues ribeirinhos e de franja. Entre os poucos ribeirinhos, podemos reconhecer os manguezais do rio Una e de dois córregos na praia de Manguinhos. Alguns mais devem ter existido no passado. Os de franja são o Mangue de Pedra e os mangues da Ponta da Sapata e da Praia da Foca. Ressalve-se que o Mangue de Pedra conta com uma fonte de água doce na falésia situada em sua retaguarda. Ela acumula água de chuva que verte por sua base e se mistura com a água do mar. Existem depressões no território municipal de Búzios, mas elas não são alcançadas pelas marés para a formação de mangues de bacia.
Nas minhas andanças pelos territórios fluminense e capixaba para o estudo de manguezais, encontrei uma feição que parecia não se enquadrar nas três existentes. Os bosques cresciam em lagoas alongadas junto à costa, sugerindo antigos rios com a foz barrada por ação natural ou antrópica. Pareciam rios com foz no mar que formavam estuários e que apresentavam condições propícias para o desenvolvimento de manguezais ribeirinhos. Com o fechamento da foz de forma permanente ou periódica, as marés não entravam mais nos rios. Eles se tornaram, assim, lagoas alongadas. Com a abertura natural ou antrópica pelo acúmulo de água no seu interior ou por força do mar, as barras voltam a abrir.
Nessas condições, o manguezal deve se adaptar ou morrer. As espécies de mangue são plásticas e podem se moldar à nova realidade. Na lagoa do Siri, no sul do Espírito Santo, a estabilização da lâmina d’água eliminou quase totalmente o mangue branco e a siribeira por deixar suas raízes respiratórias afogadas por longo período. O mangue vermelho passou a ser dominante porque as lenticelas (estruturas nas raízes e no caule que ajudam a planta a respirar) foram afogadas por longos períodos. O mangue vermelho resistiu porque as lenticelas se deslocaram para a parte emersa das ramificações do caule.
Em outras lagoas do sul do Espírito Santo, a acumulação de água doce favorece a invasão de plantas que competem com as espécies exclusivas de mangue. A estabilização da lâmina d’água pode ainda exigir mudanças adaptativas estruturais de espécies exclusivas. O sul do Espírito Santo é um laboratório vivo sobre manguezais enclausurados. Neles, as folhas das plantas não são exportadas logo para o mar em forma de partículas, mas já dissolvidas quando a comunicação com o mar se restabelece naturalmente ou por ação humana. Esses manguezais se situam entre os ribeirinhos e os de bacia.
Em Búzios, existe um mangue que passa despercebido para as pessoas leigas. Ele se desenvolveu na lagoa dos Ossos e está muito reduzido pelas condições adversas. A lagoa situa-se bem próxima da costa. Um fluxo de água doce, talvez um antigo córrego, desce da parte alta e alimenta a lagoa. Hoje, esse pequeno curso está muito poluído e oculto sob as ruas. Ele corre por bueiros.
Por outro lado, informação fornecida por Osmane Simas de Araújo, nascido e criado em Búzios, a lagoa se comunicava com o mar por meio de um canal. As marés entravam nele e chegavam à lagoa, transportando sementes (propágulos) das espécies de mangue encontradas em Búzios: mangue branco (Laguncularia racemosa), mangue vermelho (Rhizophora mangle) e siribeira (Avicennia schaueriana). Esse canal, que comunicava a lagoa ao mar, está fechado. Restou dele apenas uma grade na boca de um bueiro na margem da lagoa.
Por um lado, a lagoa foi cercada pela cidade. Por outro, existe vegetação nativa e espontânea. É grande a quantidade de lixo numa das margens. Das três, só foi encontrado o mangue branco. Há vários exemplares dele na lagoa. Como nos manguezais de Manguinhos, Porto da Barra e Sapata, as árvores de mangue branco crescem muito, com troncos retos e grossos. Na lagoa dos Ossos, eles não mostram mais raízes respiratórias, mas sim raízes que partem do tronco, como nas árvores das matas de igapó, na Amazônia, sugerindo inundações frequentes e submersão das bases das árvores. É mangue branco, mas não se comporta como tal.
Há também espécies associadas ou invasoras de mangue perturbado ou degradado, como samambaia-do-brejo (Acrostichum aureum), a mais frequente, mololô (Annona glabra), algodeiro da praia (Hibiscus pernambucensis) e aroeira (Schinus terebinthifolia). Na parte mais alta da margem não ocupada por ruas, estacionamento e construções, a mata de restinga predomina. Na margem oposta, há calçamento e bancos. Uma placa indica o nome da lagoa e outra anuncia que ela está passando ou passará por processo de revitalização. As condições ambientais parecem precárias, mas tocas de guaiamum, aves aquáticas e pequenos mamíferos frequentam a lagoa e suas margens.
A lagoa merece não apenas ser revitalizada como ser mais estudada. Em termos de revitalização, caberia eliminar o esgoto despejado nela pelo córrego sob ruas que a alimenta com água doce, além das chuvas e do lençol freático. Todo o lixo deve ser retirado de suas margens, proibindo-se que ele seja novamente lançado.
Principalmente, um canal de comunicação com o mar deve ser aberto, apesar de toda a urbanização consolidada que a separa da praia.
Assim recuperada, a lagoa poderá propiciar um comportamento normal aos exemplares de mangue branco e a entrada de sementes das duas outras espécies. O desenvolvimento de espécies associadas indica que a água da lagoa agora é doce. É preciso medir a salinidade. Cabe permitir que a lagoa volte a ser tipicamente costeira de novo com a entrada de água salgada.