Se acompanharmos as leis vigentes todas essas questões já estariam proibidas em Lagoa de Cima, mas na prática a situação é bem diferente, autoridades não fiscalizam e a própria comunidade também não faz a parte que lhe cabe. Sem essa união, o desmatamento, a poluição e a falta de estrutura no manancial pode piorar ao longo dos anos.
“Sendo considerada uma lagoa urbana, 30 metros de suas margens a contar do nível maior de suas águas, não podem receber construções. Mas as autoridades municipais e estaduais deveriam levar em conta as demarcações especiais, por ser ela uma APA e pela proteção que lhe dá a legislação estadual. Nada disso é respeitado. Existem casas na faixa que deveria estar livre. Os turistas também estacionam seus carros, ignorando a importância que ela tem na proteção da lagoa. Além do mais, o lixo é jogado, mesmo que existam pontos de coleta. Quando o nível das águas sobe, ele é arrastado para dentro da lagoa. Não existem rede de coleta de esgoto. O esgoto das casas em torno da lagoa, sobretudo em São Benedito, corre para dentro do lugar”, desabafa o historiador Arthur Soffiati.
Os moradores de Lagoa de Cima vivem do turismo e pesca, alguns também trabalham em propriedades rurais, mas sem a mentalidade da conscientização ambiental, os primeiros a sofrerem são os moradores. “Não se quer impedir o turismo. Espera-se apenas que as autoridades disciplinem esta prática, promovendo a educação das pessoas, a fim de que respeitem a integridade de um bem ambiental, que pode perder seus atributos e deixar de ser atrativo”, afirma Soffiati.
Do ponto de vista ambiental o papel dela é fundamental para o sistema hídrico da região, isso porque recebe água de dois rios: Imbé e o Urubu. Ainda de acordo com o historiador, Arthur Soffiati, o Imbé é o mais importante. A lagoa coleta as águas dos rios que descem do Imbé pela vertente atlântica.
“A Lagoa de Cima, por sua, escoa suas águas pelo rio Ururaí, que desemboca na Lagoa Feia. Esta escoava para o mar, antigamente, pelo rio Iguaçu, que foi substituído primeiro pela vala do Furado e depois pelo canal da Flecha. No passado, as densas florestas do Imbé e da Lagoa de Cima reduziam o impacto das chuvas, retendo água no solo. Reduziam também o impacto das secas, pois as matas liberavam água o ano inteiro”, lembra Soffiati.
Os ambientalistas destacam que a lagoa tem duas funções importantes: recebe água do sistema do Imbé e contribui para um sistema maior, que é a Lagoa Feia. Ela amortece as chuvas que vem da região alta de Campos e alimenta, a Lagoa Feia ao longo do ano.
Pesquisadores e o poder público tem em mãos há anos todo o diagnóstico do lugar. Em 2006, foi feito um Diagnóstico Ambiental da APA de Lagoa de Cima e foi publicado pelo Laboratório de Ciências Ambientais, da Universidade Estadual do Norte Fluminense. Todas as descrições são muito atuais, isso porque de lá pra cá, nada mudou.
“Apesar do volume de água da Lagoa de Cima, este manancial não pode ser considerado um local de abastecimento representativo. Em períodos de estiagem, a retirava excessiva do volume de água pode ocasionar uma diminuição drástica do volume de água interior, podendo ocasionar prejuízos aos serviços ecossistêmicos. Com a diminuição dos serviços, vemos prejuízos ambientais, sociais e econômicos locais”, destaca a professora e pesquisadora da Uenf, Mariana Suzuki.
Para a elaboração deste Diagnóstico, feito pela Uenf, foi criado um Sistema de Informação Geográfica (SIG) com dados de altimetria, hidrologia, vias, densidade demográfica, imagens de satélite referentes aos anos entre 1978 e 2004 e o mapa do uso e ocupação do solo para região. O SIG foi a base para os estudos de compartimentação e qualidade hidroquímica, quantificação e qualificação de fragmentos florestais.
Em conversas com moradores, foram feitos levantamentos também da fauna e flora. O estudo florístico da vegetação arbórea mostrou traços evidentes de degradação, com presença frequente de espécies vegetais pioneiras ou invasoras. Muita extração de lenha e nos fragmentos visitados, se verificou pouco cuidado com a preservação local.
“O maior número de espécies de vertebrados encontrados correspondeu a 58 aves, sendo a mais comum o jaçanã. São registradas ainda algumas espécies de anuros e três de répteis, dentre elas o jacaré-do-papo-amarelo, um importante indicador de preservação ambiental. Dentre os mamíferos, registrou-se a presença do cachorro-do-mato. Segundo entrevistas com moradores locais, animais como a tainha e outros peixes, 14 pássaros, preá e cabrito selvagem e outros mamíferos, desapareceram da região e peixes que no passado não ocorriam na lagoa, como o bagre africano, cachimbau, carpa e tilápia hoje já são citados”, conta a professora.
O Diagnóstico sugeriu medidas como a delimitação, demarcação e fiscalização definitiva e evidente da Faixa Marginal de Proteção Ambiental; atenção aos remanescentes de mata, destacadamente às matas primárias da Serra do Desengano e revisão das instalações das fossas residenciais. Sobre à fauna aquática, sugere-se a manutenção definitiva do período de defeso e o incentivo ao deslocamento dos pescadores da pesca, para o trabalho de guia de pescadores esportivos.
A água de Lagoa é de Cima é pura, ou mesmo, deveria ser, segundo o Presidente do Comitê da Bacia do Baixo Paraíba do Sul, João Siqueira. A água vem das nascentes, como dito anteriormente, mas um grande problema é que existem sedimentos no fundo dela e sem contar, que quando chove na região serrana, vem carreando os sedimentos com mais força. O lugar funciona como um reservatório de água, uma espécie de um tanque de sedimentação. O fato é que quando venta muito, as águas se misturam e o sedimento aflora, deixando a água turva.
“Claro que as construções as margens da lagoa, vem contribuindo para jogar esgoto nela, realmente precisa fazer coleta e tratamento de esgoto no local. A cor da água não é decorrente a isso, a contaminação do esgoto ainda é pequena. O ideal seria testar a balneabilidade do lugar pelos órgãos competentes”, destaca João.
Os registros históricos que nos remetem a Lagoa de Cima estão em muitos documentos e livros da região. Um exemplo foi quando em 1828, o viajante sergipano Antonio Muniz de Souza, visitou a Lagoa de Cima e constatou que ela era cercada por florestas. Ele avistou animais como a anta e o tamanduá bandeira nas matas. Infelizmente hoje, não existem mais essas espécies e as florestas recuaram para a serra do Imbé por causa do desmatamento.
“Hoje, as enchentes podem ser excessivas, como aconteceu em 2008-9, e as secas podem castigar todo o sistema. Particularmente, a Lagoa de Cima, em todo o sistema hídrico de que faz parte, é o maior atrativo turístico. Por isso, ela merece cuidado redobrado da prefeitura de Campos e do INEA. Em 1992, ela se tornou uma Área de Proteção Municipal (APA) da prefeitura”, destaca o historiador Soffiati.
Independente de todos os problemas ambientais e da tristeza de ver a região parada no tempo, quem visita Lagoa de Cima se apaixona pela beleza que resiste a falta de preservação. É o caso da jornalista Bruna Carvalho. Ela é carioca e por mais de dois anos trabalhou em Campos, ir até a lagoa se tornou uma rotina para a jornalista, que além de aproveitar o lugar, também já fez muitas matérias e viu pouca coisa mudar.
“Lagoa de Cima era meu refúgio quando queria sair do agito do Centro de Campos. Até morar no Norte Fluminense eu não sabia da existência do local. É um lugar muito bom para passar o dia em família, ou mesmo, praticar standup paddle com amigos. Acho que falta o poder público divulgar mais o lugar e também investir, para que a lagoa seja um local ainda mais agradável. Faltam coisas básicas: como lixeiras e fiscalização em relação ao despejo de esgoto na lagoa. Além disso, faltam investimentos, apoio do turismo e a conscientização da população. O ponto turístico terá potencial para atrair ainda mais visitantes e assim, movimentar o comércio local”, afirma Bruna.
A Lagoa de Cima está situada em Campos dos Goytacazes, Norte do Estado do Rio de Janeiro, distanciando 28 km do centro urbano deste município. Possui um espelho d’água com 15 km2 de área e é abastecida pela confluência dos rios Imbé e Urubu. A Bacia de Drenagem do Rio Imbé e Lagoa de Cima abrange 1.270 km2 e grande parte de sua extensão está dentro Parque Estadual do Desengano. Cerca de 68% da área da bacia pertencente a Campos dos Goytacazes, 31% a Santa Maria Madalena e 1% a Trajano de Morais. A Lagoa de Cima propriamente dita foi elevada a Área de Proteção Ambiental (APA) pela Lei Municipal nº 5.394 de 24 de dezembro de 1992.
Fonte:
Diagnóstico Ambiental da Área de Proteção Ambiental Lagoa de Cima / Carlos Eduardo Rezende … [et al.] ; organizado por Carlos Eduardo Rezende, Ana
Paula Madeira Di Beneditto. — Rio de Janeiro : Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro: Centro de Biociências e Biotecnologia: Laboratório de Ciências Ambientais, 2006.
Acompanhe o Diagnóstico na integra:
http://uenf.br/cbb/lca/publicacoes/diagnostico-da-lagoa-de-cima/