- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.
O continente cresceu com a formação dos tabuleiros dentro do mar e com a construção da planície fluviomarinha. O rio Paraíba do Sul, principalmente, foi transportando sedimentos da zona serrana e dos tabuleiros e os depositando num mar raso. Primeiro, o curso do Paraíba do Sul dirigiu-se para o sul e ramificou-se em vários braços, formando um delta do tipo pé de ganso, muito parecido com o do rio Mississipi. Os dedos do pé eram muito longos e a descarga da água do rio no mar mostrava-se difícil por causa das fortes correntes marinhas. Posteriormente, o rio se dividiu em dois grandes braços longe da costa, ainda de acordo com Lamego. Um deles continuava rumando para o ponto em que hoje se situa a praia do Farol. Outro, dirigiu-se para o ponto em que o Paraíba do Sul deságua no mar, dividindo-se em dois pequenos braços. Lamego entendeu a segunda ramificação como um delta do tipo do rio Ródano, na Europa, e a terceira, ainda existente, como um delta do tipo específico Paraíba do Sul.
A tese de Lamego contribuiu muito para o entendimento da formação da planície, mas, como acontece com a ciência, acabou substituída por outra. Continue imaginando que você está na praia do Farol e faça uma nova viagem no tempo. Não é preciso recuar tanto. Volte apenas dez mil anos. O nível do mar era mais baixo e o continente avançava muito mais dentro dele. Para um banho de mar, seria necessário caminhar bem mais até chegar à praia. Então, as temperaturas começaram a subir e a derreter geleiras. O nível do mar chegou a se elevar cem metros em vários pontos do planeta.
Na vasta planície do atual norte fluminense, o mar avançou até a zona serrana, em Itereré, alcançando a lagoa de Cima. A baixada se transformou numa grande lagoa demarcada por ilhas. Supõe-se que o antigo continente invadido pelo avanço do mar fosse um terreno de tabuleiros ligado a uma grande restinga que se estendia da atual Barra do Furado (que então não existia) até o rio Macaé (que já existia). Os tabuleiros são formados por argila grossa com concreções ferruginosas. A topografia é caracterizada por ondulações suaves. Já uma restinga é formada por substrato arenoso.
Quatro geólogos formularam esta tese com base em métodos radioativos. Seus nomes são Louis Martin, Kenitiro Suguiu, José Maria Landim e Jean-Maria Flexor. Eles escreveram vários artigos sobre a nova tese juntos ou separados. Em 1997, os quatro publicaram um livro comparando a formação do delta do Paraíba do Sul à formação do delta do rio Doce. O título do livro é “Geologia do Quaternário costeiro do litoral do norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo”.
O avanço máximo do mar, segundo eles, foi alcançado em 5.100 anos antes do presente. A partir de então, ele começou a recuar. A grande lagoa formada pelo mar foi sendo aterrada pelo rio Paraíba do Sul, principalmente. Na altura de Campos (que ainda não existia, é claro), houve uma grande bifurcação do rio. Um braço dirigiu-se para o Açu ramificando-se em vários canais, como o delta pé de ganso identificado por Lamego. Mas só chegou timidamente ao mar pelo antigo rio Iguaçu, hoje lagoa do Açu. Esse braço morreu por conta própria em grande parte. Os colonos de origem europeia, a partir dos Sete Capitães, o denominaram de córrego ou canal do Cula, que serviu de base para a penetração para o interior através de uma estrada de terra batida originalmente. Depois, uma ferrovia. Por fim, a estrada asfaltada Campos-Farol.
O outro grande braço dirigiu-se à atual Atafona e chegou ao mar no ponto em que hoje se situa o pequeno delta do Paraíba do Sul. Como não existem pedras criadas pela própria natureza, o forte jato do Paraíba do Sul desembocando no mar funcionou como obstáculo para reter areia transportada pelas correntes do norte para o sul e formando a maior restinga do estado do Rio de Janeiro. A força do Paraíba do Sul, há 2 mil anos era muito maior que a de hoje. Ela enfrentava as correntes marinhas com maior competência que hoje. Mesmo assim, os processos erosivos registrados em Atafona já existiam, embora em grau menor.