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Arthur Soffiati

Arthur Soffiati

- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.

Entre os rios Itapemirim e Macaé (III): do rio Imbé ao rio Iguaçu (primeira parte)

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Na margem direita do rio Paraíba do Sul em seu curso final, corre um sistema hídrico formado por rios e lagoas. Ele começa com o rio Imbé, que nasce na Serra do Mar e recebe pequenos rios que descem da montanha por sua margem esquerda. Juntamente com o rio Urubu, que corre à sua direita, ele desemboca numa depressão que forma a lagoa de Cima. Esta, por sua vez, deflui pelo rio Ururaí, que desagua na grande lagoa Feia. Recebendo também o rio Macabu e, no passado, outros pequenos rios, as águas da lagoa Feia escoavam por diversos braços que se reuniam no rio Iguaçu até chegar ao mar, paralelamente às lagoas de Iquipari e Gruçaí e aos rios Paraíba do Sul e Guaxindiba.

Até a lagoa de Cima, o sistema corre em altitude ligeiramente mais elevada que o Paraíba do Sul. Acima dele, corre o rio Preto, com uma foz que se bifurcava: um braço corria para o rio Paraíba do Sul e outro para o rio Ururaí em tempos de cheia. A ação do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) transformou o braço que desembocava no Paraíba do Sul em canal e manteve o braço que desemboca no Ururaí. A partir deste rio, o sistema hídrico corre em nível mais baixo que o Paraíba do Sul e é ligado a ele por cursos naturais que foram canalizados.

O mais importante a se observar é que, a partir do rio Ururaí, o sistema corre em nível mais baixo que que o curso final do Paraíba do Sul a partir de Itereré, quando ele sai da zona serrana e entra na planície fluviomarinha. Isso implica dizer que existe uma comunicação subterrânea entre os dois sistemas. Suspeitava-se dessa ligação em 1819. Contudo, ela só ficou comprovada e demonstrada no século XX, sobretudo com os trabalhos de Francisco Saturnino Rodrigues de Brito.

Examinamos os principais formadores desse complexo sistema aquático recorrendo a antigos registros feitos por cartógrafos, naturalistas e cronistas dos períodos colonial e imperial do Brasil, na perspectiva da história ambiental.

Rios Imbé e Urubu

As origens dessa bacia tão atípica e diversificada situam-se nos rios Imbé e Urubu. O primeiro é o maior dos dois, coletando todos os pequenos rios que deslizam pela vertente atlântica da Serra do Mar no trecho compreendido entre os rios Macaé e Paraíba do Sul. O cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis, em fins do século XVIII, visitou-o com dificuldade, temendo índios bravios. O rio Embé anotado por ele tem seu nome derivado de um cipó. O cartógrafo adverte que ele tem suas nascentes em meio às serras entre os rios Paraíba do Sul e Macabu, recolhendo as águas dos rios denominados do Norte. Sobre o Urubu nada nos informa ele, a não ser, talvez, quando fala na existência de outro rio Preto, além daquele que desembocava no Paraíba do Sul e, por um braço estreito, também no rio Ururaí. Esse rio Preto parece corresponder ao Urubu na sua descrição, porque nasce ao norte do rio Macabu e morre na lagoa de Cima, bem próximo da foz do Imbé. Considerando-se que o nome possa derivar da sua cor escura, tudo leva a crer que esse rio seja mesmo o Urubu (“Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis – 1785: Descrição geográfica, política e cronográfica do Distrito dos Campos Goitacazes”. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima; Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011).


Aspecto do rio Imbé em seu curso médio

Escrevendo de segunda mão, Manuel Aires de Casal estabelece a nascente do rio Imbé na Serra do mesmo nome, cerca de duas léguas da origem do rio Macabu, correndo um bom trecho emparelhado com ele. Pela margem esquerda, coleta os rios Primeiro, Segundo e Terceiro Norte, provenientes dos Três Picos, onde, alerta Casal, existe ouro. Atravessa a lagoa de Cima, de onde sai em direção da lagoa Feia com o nome de Ururaí (“Corografia brasílica”. São Paulo: Edusp, 1976). Curioso notar que Casal não é o único a entender a lagoa de Cima como um estado avançado de gravidez do rio Imbé. José Carneiro da Silva traz menos informações que Casal sobre o aspecto físico do rio, mas salienta que, nos sertões do Imbé e do Macabu, instalaram-se vários quilombos “de negros fugitivos, os quais se acham bem derrotados, se considerarmos o auge em que eles se acharam alguns anos atrás”. (“Memória topográfica e histórica sobre os Campos dos Goytacazes com uma notícia breve de suas produções e comércio oferecida ao muito alto e muito poderoso Rei D. João VI por um natural do país”. 3. ed. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, 2010).

Antonio Muniz de Souza (“Viagens e observações de um brasileiro”, 3ª ed. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 2000) e Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde (“Relatório da 4ª Seção de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro apresentado à respectiva Diretoria em agosto de 1837”. Rio de Janeiro: Imprensa Americana de I. F. da Costa, 1837) pouco ou nada acrescentam ao que Couto Reis e Casal afirmaram sobre o rio. Contando com mais informações, José Alexandre Teixeira de Mello escreve que o Imbé “Provém da Serra de São Salvador, nas divisas do município com o de Cantagalo; recolhe o ribeiro Uraí (que não se deve confundir, diz Milliet de Saint-Adolphe, com o rio Ururaí), com o qual se torna desde então navegável até penetrar na Lagoa de Cima, onde entra pela margem ocidental. Tem 117 quilômetros de curso, navegável para pequenas canoas. ” No tocante ao rio Urubu, o mesmo autor frisa que ele nasce Serra do Quimbira, na Freguesia de Santa Rita, desembocando também na lagoa de Cima. É navegável por pequenas canoas numa extensão de 45 quilômetros (“Campos dos Goitacases em 1881”. Rio de Janeiro: Laemmert, 1886).

Lagoa de Cima

A lagoa de Cima estende-se numa depressão da zona serrana paralela à Serra do Mar (Imbé). Couto Reis informa que ela “… é a segunda em extensão, agradável a sua situação, e vistosas as suas margens por serem em outeiros, e em planos. Existe entre o Morro do Itaoca, e o Rio Paraíba, com a vantagem de uma fácil navegação”. (Obra citada). Aires de Casal registra-a na sua “Corografia Brasílica”: “…tem légua e meia de comprido, e mais dezesseiscentas braças na maior largura, compreendendo o saco da Pernambuca.” (Obra citada). Imita-o Pizarro e Araujo, satisfeito em dizer que conta com uma légua de largura e duas de comprimento, dando origem ao rio Ururaí (“Memórias históricas do Rio de Janeiro”, 3º vol., 2. ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945).

Muniz de Souza visitou-a em 1828 e não lhe poupou elogios: “Parece que a natureza formou este local para asilo da meditação e do repouso (…) Em alguns pontos de suas praias encontram-se pedras, que abundam em ferro; argila ou ocre de um lindo amarelo. De suas margens, que totalizam cinco léguas de circunferência, pode-se avistar o “soberbo” morro do Itaoca”, não mencionando aqui as observações emocionadas sobre os peixes e as aves que a povoam (Obra citada).


Os contrastes da lagoa de Cima: água e montanhas

Bellegarde é econômico no seu registro, limitando-se a dizer “que tem 3.200 braças sobre 1.000, recebe as águas do Rio Imbé, e comunica-se com a Lagoa Feia pelo Ururaí” (Obra citada). Teixeira de Mello trata-a com mais atenção. Diz que ela tem “… cerca de 12 quilômetros de comprimento e metade de largura. Recebe as águas dos rios Imbé e Urubu e dela nasce o Ururaí, que vai terminar na Lagoa Feia. Assegura Milliet de Saint-Adolphe que houve antigamente um sangradouro de 6 k. de extensão que a comunicava nas grandes cheias com o Paraíba. A esse respeito, Aires do Casal apenas diz: ‘com o qual (Paraíba) se pode (a lagoa) comunicar por um canal através duma planura, que não excede uma légua de largo (…) Limpa de vegetação estranha, de um aspecto verdadeiramente pitoresco e poético, só lhe faltam as vivendas confortáveis e acasteladas do europeu para não temer confronto com os afamados lagos da Suíça.” (Obra citada). É quase certo que o canal mencionado por Milliet de Saint-Adolphe e por Casal corresponda ao rio Preto, que, pelo seu caráter singular, faz parte tanto da bacia do Paraíba do Sul quanto da bacia da lagoa Feia. Sobre sua fama de lago Suíço, firmou-se ela até os dias que correm, muito embora seu estado de degradação a tenha transformado numa pálida imagem do que foi outrora.

Rio Ururaí

Interligando as lagoas de Cima e Feia, o rio Ururaí já é referido no “Roteiro dos Sete Capitães”, do século XVII. Na segunda viagem dos fidalgos, em 1633, a viagem de batismo dos acidentes geográficos, o capitão Antonio Pinto proclamou a seus colegas: “Já temos dado apelido a outros lugares, é necessário ir dando a outros também, pois estamos em um país inculto, que está em uma escuridade, é necessário que nós lhe demos a luz da aurora, para os nossos vindouros e para a sua civilização.” Seus companheiros concordaram prontamente. Assim é que, topando com um rio que formava um pântano cercado da palma raraí, decidiram emprestar este nome ao curso d’água. Por sua posição, tudo leva a crer que se trata mesmo do rio Ururaí. Noutra passagem do documento, escreve-se que “… seguiu a campina e atravessou alguns lagos, direito a um alto que lhe demos o apelido do ‘Retiro’, por estar no centro desse alto não muito longe de um riacho d’água que fica ao sudoeste à beira de um mato, vai em direitura à grande lagoa Feia; desta beira à sua margem da parte norte, por não podermos atravessar a grande lagoa Feia, até apanhar a barra do rio dos Macacos, vizinho do Ururaí.” (GABRIEL, Adelmo Henrique Daumas e LUZ, Margareth da (Orgs.); FREITAS, Carlos Roberto B.; SANTOS, Fabiano Vilaça dos; KNAUS, Paulo; SOFFIATI, Arthur; GOMES, Marcelo Abreu. “Roteiro dos Sete Capitães”. Macaé: Funemac Livros, 2012). O rio aparece repentinamente, sem ter sido nomeado antes. Pode-se supor que raraí seja palavra usada para designar outro rio e que os sesmeiros conservaram a expressão Ururaí – em tupi, água de jacaré.


Trecho do rio Ururaí

Retornando aos autores que temos citado até aqui, veremos Couto Reis, mais de um século depois, explicar que o rio Ururaí esgota as águas da lagoa de Cima para a lagoa Feia, descrevendo um trajeto com grandes meandros, o que tornava a navegação enfadonha (Obra citada). Casal observa que ele cumpre o papel de desaguadouro da lagoa de Cima (Obra citada). José Carneiro da Silva ressalta que o rio Ururaí nasce na lagoa de Cima e deságua na lagoa Feia (Obra citada), enquanto Pizarro e Araujo limita-se a dizer que ele fermenta na lagoa de Cima (Obra citada). Bellegarde também o menciona rapidamente, explicando que “deriva-se da extremidade oriental da Lagoa de Cima, e vem por junto da Serra do Itaoca, fazer barra na Lagoa Feia, com 6 léguas de curso (Obra citada). Muniz de Souza, sempre tão observador, não vai mais longe que seus predecessores (Obra citada). Por sua vez, Teixeira Mello repete Bellegarde apenas substituindo as 6 léguas por 52 quilômetros (Obra citada).

Rio Preto

A Serra do Mar, no norte-noroeste fluminense, sofre uma brusca interrupção nas imediações da garganta por onde corre o Paraíba do Sul. Os rios que nascem na vertente interior da Serra deságuam todos eles no maior rio da região. Os que nascem na vertente atlântica correm para a bacia da lagoa Feia ou diretamente para o mar, com exceção de um: o rio Preto. Seu curso o conduz ao rio Paraíba do Sul, no qual, outrora, desaguava. Com as cheias deste, porém, o braço que o ligava ao rio Ururaí, do qual atualmente é tributário, era ativado. Porém, uma foz facultativa fixada por ação do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, criou um sistema de mão dupla. É o canal de Itereré, que pode funcionar em direção ao Paraíba do Sul ou em direção ao rio Ururaí. Couto Reis diz que ele se bifurca, fazendo barra no Paraíba e lançando um braço limitado para o Ururaí (Obra citada). Casal entende-o como uma grande curva do Ururaí que se aproxima do Paraíba, podendo comunicar-se com ele através de um canal (Obra citada). A tendência natural das cheias e o rio Preto demonstram a íntima ligação entre as bacias do Paraíba do Sul e da lagoa Feia.


Aspecto do rio Preto

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33 respostas

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