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Arthur Soffiati

Arthur Soffiati

- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.

Entre os rios Itapemirim e Macaé (final)

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O rio Macaé nos séculos XVI e XVII

O arquipélago de Santana tornou-se um ponto de parada quase obrigatório por encontrar-se na ilha maior uma fonte de água doce e limpa que abastecia os navios. As águas do Macaé eram limpíssimas naquele tempo, mas havia o risco dos povos nativos. Em 1558, o francês Jean de Léry, missionário calvinista que se dirigia à colônia da França Antártica, na baía de Guanabara, registra: “Depois de costearmos a terra desses uetacá, avistamos outra região próxima chamada de Macaé e habitada por outros selvagens que (…) não podem se comprazer na vizinhança de índios tão brutais e ferozes. Nessas terras vê-se à beira-mar um grande rochedo em forma de torre, tão reluzente ao sol que pensam muitos tratar-se de uma espécie de esmeralda; e com efeito, os franceses e portugueses que por aí velejam o denominam “Esmeralda de Macaé”. Dizem que ela é rodeada por uma infinidade de rochedos à flor da água que avançam mar afora cerca de duas léguas e como tampouco a ela se tem acesso por terra, é completamente impraticável. Também existem três pequenas ilhas chamadas ilhas de Macaé junto das quais fundeamos e dormimos uma noite (…) estava nossa aguada corrompida, por isso pela manhã (…), alguns marujos foram procurar água potável nessas ilhas desabitadas e verificaram que todo o terreno se achava coberto de ovos de aves de diversas espécies, aliás diferentes das nossas. E tão mansas, por nunca terem visto gente, que se deixavam pegar com a mão ou matar a pauladas; assim nossos homens puderam encher o escaler, trazendo para o navio grande quantidade delas” (“História de uma viagem à terra do Brasil”. 1ªedição. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1926).

Um roteiro da costa do Brasil redigido entre 1573 e 1578 supostamente por Luís Teixeira fala de um pico muito alto, como um castelo, a destacar-se na serra de Santo André (Serra do Mar), bem como em duas ilhas defronte a ele, uma com água e outra não. Faltam indícios de que o roteirista tenha se aproximado da costa para conhecer melhor o rio Macaé (“Roteiro de todos os sinais na costa do Brasil” (edição preparada por Max Justo Guedes). Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968).

Logo em seguida, o português Gabriel Soares de Sousa considerou que “Esta ilha de Santa Ana fica em vinte e dois graus e um terço, a qual está afastada da terra firme duas léguas para o mar, e tem dois ilhéus junto de si. E quem vem do mar em fora parece-lhe tudo uma coisa. Tem esta ilha da banda da costa um bom surgidouro e abrigada por ser limpo tudo, onde tem de fundo cinco e seis braças: e na terra firme defronte da ilha tem boa aguada, e na mesma ilha há boa água de uma lagoa. Por aqui não há de que guardar senão do que virem sobre a água. E quem vem do mar em fora para saber se está tanto avante como esta ilha, olhe para a terra firme, e verá no meio das serras um pico, que parece frade com capelo sobre as costas, o qual demora a loeste noroeste, e podem os navios entrar por qualquer das bandas da ilha como lhe mais servir o vento e ancorar defronte entre ela e a terra firme” (Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938).

A ilha ladeada por outras de que falam eles é, como está já nomeada por Sousa, a de Santana, a maior do arquipélago fronteiriço ao rio Macaé. Tanto ela quanto a formação rochosa com brilho esmeraldino e com formato de frade com capucho passaram a ser pontos referencias para navegadores. A ilha mostrou-se local dos mais apropriados para quem se deslocava em viagens intercontinentais ou de cabotagem na costa leste do Brasil por três motivos práticos: continha água potável para reabastecer os navios; nela encontravam-se aves e ovos para a alimentação das tripulações e, como resultante destes dois, dispensavam os navegadores de aportarem em terra para obter os recursos necessários correndo o risco de ataque de índios. Gabriel Soares de Sousa menciona a existência de água potável no continente. Como o continente era dispensável por conta da ilha de Santana, existem poucas informações sobre o rio Macaé.

Um inglês pouco conhecido navegou pela costa do futuro norte fluminense, em 1593. Seu nome é Richard Hawkins. Suas informações sobre flora e fauna destacam seu relato dos de outros navegadores pela erudição rara entre marinheiros dos primeiros séculos da expansão marítima europeia. Ele aportou no arquipélago de Santana, reconhecendo apenas duas ilhas. Ele e a tripulação foram ao continente, onde derrubaram árvores para fazer lenha. Mataram atobás, que chamavam de gansos. Colheram beldroega e encontraram também uma fruta: “um tipo de cereja que cresce numa árvore parecida com a ameixeira, de coloração vermelha, com um caroço, mas diferente das nossas cerejas, não totalmente redonda mas em gomo; seu gosto é agradável.” Provavelmente, trata-se da pitanga. Outras frutas foram encontradas. Uma delas, talvez o ingá, mas que causou diarreia nos marujos.

A fruta que muito agradou a todos foi o cardo: “Outra fruta que encontramos, de gosto muito agradável, parecia uma alcachofra, mas era menor. Por fora era vermelha, por dento branca, e coberta de espinhos. Nossos homens a chamam de peras de espinho. Não há melhor conserva. Crescem nas folhas de certa raiz, que parece aquela que chamamos semper viva e que muitos gostam de pendurar dentro de casa, mas as folhas são mais compridas e estreitas, e cheias de espinhos nos dois lados. A fruta cresce no canto da folha, e é uma das melhores frutas que já comi nas Índias”.

Richard Hawkins não aprovou a água do arquipélago e registrou que Abraham Cocke, outro inglês, passara por ele. O rio Macaé foi registrado por ele como “um grande rio de água doce e fresca, e uma terra toda pantanosa que no inverno parece permanentemente inundada por esse rio e por outros, que descem das montanhas ali perto. Remamos algumas léguas rio acima e percebemos que, quanto mais subíamos, mas fundo o rio ia ficando, mas nada mais ganhamos pelo trabalho duro, salvo o suor do nosso corpo”. Ele menciona o perigo representado pelos índios em suas grandes canoas e registra a vegetação de mangue (HUE, Sheila e LESSA DE SÁ, Vivien Kogut (org.). “Ingleses no Brasil: relatos de viagem 1526-1608”. São Paulo: Chão, 2020).

A primeira informação mais precisa sobre o rio Macaé aparece nos registros do século XVII, dando a impressão de que o local já era razoavelmente bem conhecido. No “Roteiro dos Sete Capitães”, ele figura diversas vezes, pois foi de lá que partiu a primeira expedição dos sete fidalgos rumo aos Campos dos Goytacases. Seu autor encontrou, junto as suas margens, um povoado habitado por mamelucos que viviam da pesca, havendo grande abundância de bagres no rio. Por essa razão, passou a ser conhecido, inicialmente, como rio dos Bagres (SOFFIATI, Arthur (org.). “Os mais antigos documentos europeus sobre a capitania de São Tomé”. Campos dos Goytacazes: Essentia, 2023).

O rio Macaé nos séculos XVIII e XIX

Em 1785, o cartógrafo militar Manoel Martins do Couto Reis situou as cabeceiras do Macaé nas vizinhanças do rio Macacu e verificou que ele ia se avolumando na medida em que recebia afluentes, sendo o rio São Pedro o maior deles, até desembocar no mar por uma barra bem franqueada a embarcações de pequeno porte, embora nem sempre segura. Todavia, os abrigos das Conchas e das ilhas de Santana ofereciam bons ancoradouros. Não deixou de reparar também nos extensíssimos brejos localizados principalmente à sua margem esquerda, observação feita no final do século XVI por Richard Hawkins. Registrou que suas margens eram pouco povoadas, mas que suas terras forneciam já boa produção de açúcar e madeira para quatro pequenas sumacas que navegavam continuamente para o Rio de Janeiro. Sumaca é uma embarcação de médio calado com origem holandesa.

Atividades agrícolas, portanto, já avançavam sobre a floresta. Quanto aos alagadiços, o capitão cartógrafo informa que se transformavam em excelentes pastos em tempos secos e propôs que fossem eles esgotados para um aproveitamento mais regular (“Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis – 1785”. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima/Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011).

No princípio do século XIX, o rio foi visitado por três viajantes europeus. Em 1815, ele foi cruzado por Maximiliano de Wied-Neuwied, que, sobre o seu aspecto físico, contenta-se em registrar seu curso de cerca de quinze léguas, atravessando a serra do Iriri e desaguando no oceano. Tanto na lagoa de Imboacica, onde a comitiva do príncipe encontrou pousada, quanto no caminho para Macaé, a presença de pujantes florestas encantou os europeus. Escreve ele que: “A posição dessa fazenda é muito agradável; logo por detrás erguem-se veneráveis florestas, dela separadas apenas por um lago, no qual as árvores se espelham encantadoramente. A eminência em que se acha a casa olha para uma vasta planície, coberta por impenetrável mata, de cujo meio se ergue a Serra de Iriri, serra isolada e digna de nota, de quatro ou cinco picos cônicos, também cobertos pela mataria; mais à esquerda, para o sul, fica, solitário, o monte de S. João (…) Encontramos, nessas florestas sombrias, uma grande quantidade de árvores majestosas. O ipê achava-se carregado de grandes flores amarelo-vivo, e uma outra ‘Bignonia’, de grandes flores brancas, crescia nos brejos. Bem acima das copas gigantes da mata, ergue-se a imponente sapucaia; possui folhas pequenas e enormes frutos pendentes, em forma de pote, que abrem uma tampa perfeita e deixam cair as grandes sementes comestíveis.”

Na lagoa, da qual não fornece o nome, mas que, pela descrição corresponde à de Imboacica, o peixe era abundante. Nas florestas, seus caçadores, abateram papagaios, maracanãs, tucanos, pavós e outras belas aves. Entre as plantas, o naturalista teve sua atenção especialmente chamada pelas palmeiras, entre outras o airi e o tucum. De suas palavras, depreende-se que as adjacências da foz do Macaé apresentavam grande biodiversidade e uma fisionomia que foi profundamente mudada em quase dois séculos. Ele não deixa de assinalar o cultivo de mandioca, arroz, café e laranja nas terras da fazenda.

Rumando para o povoado de Macaé, ele anotou em seu diário de viagem: “A última milha da nossa viagem foi feita através de espessa e alta floresta, na qual caçamos tucanos, araçaris e o pequeno cuco preto. Numerosas espécies de árvores estavam desfolhadas, porque, embora nessa região a maior parte delas guarde a folhagem durante o inverno, as mais delicadas, entretanto, costumam perdê-la. Na sua maioria, começavam agora a brotar, mostrando na ponta dos galhos, cobertos de folhagem verde escura, as folhas tenras, amareladas ou verde-amareladas, algumas vezes tingidas de vermelho claro ou escuro, constituindo elo e original ornamento. Outras se cobriam de flores, e outras, ainda, de flores e frutos ao mesmo tempo. Assim, a fusão da primavera com o outono, nessas encantadoras florestas tropicais, oferece ao viajante nórdico o mais interessante dos espetáculos”.

Adentrando a vila de Macaé, Maximiliano fez observações sobre as capoeiras que ladeiam o rio, sem especificar sua constituição botânica, sobre as casas acachapadas feitas de barro com pau-a-pique e rebocadas de branco. Limpas e bonitas, contavam elas com quintais cercados de troncos de coqueiros, onde se criavam cabras, porcos e toda a sorte de aves domésticas. As principais atividades econômicas do núcleo eram constituídas pela lavoura de mandioca (com a respectiva produção de farinha), feijão, milho, arroz e cana (para a fabricação de açúcar). O extrativismo vegetal já era intenso, com a exportação de madeiras por navios costeiros, sumacas e lanchas que ancoravam na enseada de Macaé (WIED-NEUWIED, Maximiliano de. “Viagem ao Brasil”. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Eduff, 1989).

Em 1818, foi a vez de Auguste de Saint-Hilaire, mais generoso em suas observações, inclusive corroborando os levantamentos antes efetuados por Couto Reis e antecipando parcialmente os estudos realizados mais tarde por Alberto Ribeiro Lamego. “Depois de descrever várias curvas, em sua extremidade, o rio Macaé lança-se no oceano entre a faixa de terra [defronte ao setor sul da povoação] e um montículo em parte cultivado, em parte coberto de matas, que termina o lado direito ou meridional da cidade. Toda a região é assaz plana; mas, para oeste o horizonte é limitado pela Serra de Macaé, cadeia que se prende à Serra do Mar, e no meio da qual o pico chamado Morro do Frade é notável por sua altura e sua forma singular. O conjunto que acabo de descrever apresenta uma paisagem encantadora, sobretudo quando vista da margem esquerda do rio, de onde se abrange melhor as montanhas que se elevam no horizonte, o pequeno morro isolado onde fica a igreja e todas as sinuosidades que o rio descreve antes de sua embocadura (…) O rio (…) tem cerca de 18 léguas de curso e as terras por ele banhadas são próprias para as principais culturas. As grandes lanchas e as sumacas podem transpor a embocadura do Macaé, quando meio carregadas; fora da embocadura as embarcações encontram em uma pequena baía, chamada Baía da Concha, um excelente abrigo contra os ventos do sul, considerados os mais perigosos; enfim as ilhas de Santana situadas à altura da embocadura, oferecem a todas as espécies de embarcações, excelente ancoradouro”.

Mas, com rara acuidade, ele atenta para o risco da extração madeireira e faz uma advertência que não foi levada em conta pelos brasileiros: “O principal comércio desta cidade é atualmente o da madeira. Como os colonos de S. João da Barra, os dos arredores de Macaé escolhem nas matas virgens as árvores mais bonitas para transformarem-nas em tábuas. Alguns enviam a madeira diretamente ao Rio de Janeiro; mas, a maioria, e principalmente os menos abastados, vende-a a negociantes estabelecidos em Macaé mesmo. As árvores que mais frequentemente exploram nesta região são o jacarandá, cuja madeira é empregada na marcenaria; o araribá; a canela; o vinhático que tem lenho amarelo e quase imputrescível, próprio para marcenaria e construção naval; a cacheta, que substitui (…) o nosso pinho; o óleo, empregado na carpintaria etc. As tábuas são vendidas por dúzias; as do vinhático, com 30 palmos de comprimento por 2 de largura, valiam trinta mil réis à época da minha viagem (…) é de se crer, entretanto, que devido à imprevidência do cultivador, esse comércio tende a diminuir e desaparecer. Aqui, e provavelmente em todo o Brasil, não há, como na Europa, o uso de explorar inteiramente uma certa extensão de floresta; escolhem-se aqui e acolá as árvores que se quer cortar e o lenhador as abate à sua altura, para não ter necessidade de curvar o corpo no trabalho. Mesmo que as árvores fossem abatidas ao nível do solo, os tocos, privados de ar e logo abafados pelas lianas não poderiam produzir brotação (…) Quando passei por Macaé as belas árvores já começavam a se tornar raras e frequentemente eram procuradas em florestas muito distantes da embocadura do rio. Assim, enquanto que de um lado os brasileiros ateiam fogo a imensas florestas, sem outro proveito que o de um adubo passageiro, de outro lado, quando exploram árvores preciosas, fazem-no de modo a concorrer para a extinção de suas espécies”.

Nesta passagem, Saint-Hilaire aponta para um traço marcante e perverso desenvolvido pelos europeus e pelos habitantes das colônias: a síndrome da abundância inesgotável. No quadro pintado por Saint-Hilaire, está implícita a declaração de quem já conhecia o processo presenciado. Também os europeus dizimaram suas florestas e, no século XIX, sua exploração já exigia cuidados conservacionistas, tais como evitar as queimadas, efetuar apenas cortes seletivos de árvores devidamente escolhidas, aproveitar ao máximo o material lenhoso e valorizar os preços da madeira tratada. No Brasil, ele depararia com as práticas que levaram à quase extinção das florestas temperadas da Europa: queimadas indiscriminadas, corte raso de árvores, sub-aproveitamento do material lenhoso e aviltamento dos preços. Não sem razão, ele adverte quanto ao fim dessa economia extrativista perdulária pelo próprio fim do produto explorado. Parece um alerta isolado, mas Couto Reis e outras personalidades brasileiras já chamavam a atenção para os perigos desta síndrome.

O naturalista francês acrescenta outras informações que corroboram a marcha de um processo danoso ao rio e ao ambiente como um todo: “A exploração de madeira não é (…) a única ocupação dos cultivadores dos arredores de Macaé. Entre o sítio do Paulista, situado a 4 léguas ao norte dessa cidade e o porto de São João da Barra contam-se cerca de 20 engenhos de açúcar, mais ou menos distanciados da beira do mar; mas reconheceu-se que é a cana-de-açúcar a planta mais conveniente à região e que ela pouco renderia se não fosse cortada no momento da maturação. Vários colonos renunciaram então a seus engenhos e dedicam-se hoje à cultura do cafeeiro, que dá menos trabalho que a da cana, não exigindo tantas benfeitorias, nem tantos escravos e que produz muito bem nas vertentes vizinhas de Macaé. A maioria dos proprietários enviam por conta própria, ao Rio de Janeiro o café colhido; mas a necessidade de numerário obriga frequentemente os menos ricos a vender na própria região uma parte de suas colheitas. O frete, de Macaé à capital do Brasil é de 2 patacas o saco de 2 alqueires, e, com bom vento pode-se fazer a viagem em 48 horas e mesmo em menos tempo. Os colonos dos arredores de Macaé cultivam o algodão mas somente para o consumo de suas famílias, o mesmo acontecendo ao milho, ao arroz e à mandioca” (“Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil”. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1974).

O naturalista Charles Darwin viajou a cavalo do Rio de Janeiro a Macaé, aceitando convite de um conterrâneo seu que possuía uma fazenda ao norte de Cabo Frio. Sua permanência se estendeu de 14 a 18 de abril de 1832 e, durante ela, Darwin atentou menos para o rio (que não mereceu dele uma palavra sequer) do que para as aviltantes condições de vida dos escravos (“Viagem de um naturalista ao redor do mundo”, 1º vol. Rio de Janeiro: Sociedade Editora e Gráfica, s/d.).

Quanto aos cronistas brasileiros, discorreram sobre o rio Manuel Aires de Casal, José Carneiro da Silva, José de Souza Azevedo Pizarro e Araujo, Antonio Muniz de Souza e Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde. Todos, em geral, fornecem as mesmas informações, com algumas discordâncias acerca da nascente e da extensão do rio. Delas, merece registro apenas uma de Pizarro e Araujo, que faz o rio São Pedro desembocar não no Macaé, mas no Macabu.

Casal fala da produção de Macaé, incluindo o milho, o arroz, a mandioca, a cana-de-açúcar e a pesca, ressaltando que o principal esteio da economia era a madeira (“Corografia brasílica ou relação histórico-geográfica do Reino do Brasil”. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976). O mesmo sustenta o Visconde de Araruama, mencionando o café, o açúcar e, acima de todos os produtos, a madeira (“Memória topográfica e histórica sobre os Campos dos Goytacazes com uma notícia breve de suas produções e comércio”, 3a ed. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, 2010”). Também Antonio Muniz de Souza enfatiza o café, o açúcar, a aguardente e a madeira como principais artigos de exportação (“Viagens e observações de um brasileiro”, 3ª ed. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 2000).

Com a derrota definitiva de Napoleão e seu exílio na ilha de Santa Helena, em 1815, a França voltou a ser uma nação amiga de Portugal. Em 1815, chegou ao Brasil o militar francês, J.C.R. Milliet de Saint-Adolphe. Ele veio para o Brasil com seu filho Auguste e trabalhou como tipógrafo. Voltou à França em 1842 com muitas anotações sobre o Brasil. Em 1845, lançou o “Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império do Brasil”, o primeiro do gênero, com quatro mil verbetes. Saint-Adolphe viajou pelo Brasil colhendo subsídios para empreender uma obra colossal para uma só pessoa em 26 anos num país muito desconhecido ainda.

Tomando por base os manuscritos de Saint-Adolphe, Caetano Lopes de Moura fez acréscimos e atualizações para a segunda edição, em português, do dicionário com o patrocínio de D. Pedro II. Num verbete, ele informa sobre o Macaé: “Rio da província do Rio de Janeiro: nasce da cordilheira dos Aimorés, ao sueste da vila de Nova Friburgo, corre fazendo mil voltas por espaço da obra de 16 léguas e torna-se navegável depois que se engrossa com as águas do rio São Pedro. Antes de se ajuntarem apenas ambos estes rios dão navegação a canoas, mas, passado este ponto, admite o Macaé grandes barcos que por ele navegam distância de 7 léguas até se lançar no mar defronte das ilhas de Santa Ana. Os viajantes atravessam-no na vila de seu nome em uma canoa, e levam os cavalos pelas rédeas e a nadar arriscados a serem arrastados pela violência da corrente. Num ponto tão importante como é o de que falamos e que se acha entre a cidade de Campos e a do Rio de Janeiro, seria de absoluta necessidade a construção duma ponte, que se faria sem muita despesa, atentas as disposições do lugar” (SAINT-ADOLPHE, J.C.R. “Dicionário geográfico, histórico e descritivo do Império do Brasil”. Paris: Casa da Vª J.-P. Aillaud, Gullard e Cia, 1863).

Manoel Vieira Leão detalha o rio em sua carta topográfica de 1767, assinalando como seus afluentes os rios São Pedro e Jurumirim (“Carta topográfica da Capitania do Rio de Janeiro feita por ordem do conde de Cunha Capitão General e Vice-Rei do Estado do Brasil”. Rio de Janeiro: 1767).

Da mesma forma, o meticuloso Manoel Martins do Couto Reis registra a bacia. A representação do espaço pretendia conhecer o território para melhor dominá-lo (Op. cit.). Até o século XVIII, as incursões dos cartógrafos limitam-se às planícies costeiras, não se aventurando a subir a Serra do Mar por todos os perigos reais e imaginários que ela continha. No século XIX, o esforço de conquista, palmo a palmo, galga o planalto.

Rio Macaé e seu afluente São Pedro em carta de Manoel Martins do Couto Reis (1785)

Em sua carta, Bellegarde e Niemeyer assinalam a bacia do rio Macaé com toda a riqueza dos seus afluentes e subafluentes, inclusive com o Canal Campos-Macaé (BELLEGARDE. P. A. e NIEMEYER, C. J. “Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro”. Rio de Janeiro: Litografia Imperial, 1858-1861).

Planta de Macaé de Pedro D’Alcantara Bellegarde (1850)

O canal Campos-Macaé foi construído por etapas entre 1845 e 1862. Ele ligou três das seis bacias da ecorregião: a do Paraíba do Sul, a da lagoa Feia e a do Macaé. Seu impacto foi acentuado sobre uma profusão de lagoas, drenando totalmente muitas delas e parcialmente outras tantas. Esta foi a primeira grande obra de engenharia a afetar o rio Macaé (SILVA, José Carneiro da. “Memória sobre a abertura de um novo canal para facilitar a comunicação entre a cidade de Campos e a vila de S. João de Macaé”. Rio de Janeiro: Tip. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1836. LAMEGO, Alberto Frederico de Morais. “A terra goitacá à luz de documentos inéditos”, tomo V. Niterói: Diário Oficial, 1942; e SOFFIATI, Arthur. “O nativo e o exótico: perspectivas para a história ambiental na ecorregião norte-noroeste fluminense entre os séculos XVII e XX”. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 1996).

Ele também aparece na folha relativa ao Rio de Janeiro do Atlas de Candido Mendes de Almeida (“Atlas do Império do Brasil (1868)”. Rio de Janeiro: Arte & História, 2000).

Bacia do Macaé e Canal Campos-Macaé na folha Província do Rio de Janeiro. Atlas do Imperio do Brasil (1868). Candido Mendes de Almeida

O rio Macaé no século XX

A partir de fins do século XIX, cada vez mais os governos federal e estadual começaram a intervir nos trechos baixos das bacias hídricas fluminenses, acompanhando o grande movimento sanitarista de origem europeia e norte-americana que contagiou vários países. Oswaldo Cruz e Saturnino de Brito destacam-se como dois grandes expoentes desse movimento. Foram criadas, a partir de 1883, várias comissões de saneamento mediante contrato com empreiteiros ou ação direta do Estado. Uma delas envolvia diretamente o rio Macaé. Trata-se da Comissão do Canal de Macaé a Campos, criada pelo Decreto nº 13.089, de 3 de julho de 1918 e dirigida consecutivamente pelos engenheiros Lucas Bicalho, Candido Borges e João Batista de Morais Rego. O primeiro efetuou levantamento topo-hidrográfico de todo o canal Campos-Macaé, bem como a limpeza e a desobstrução do mesmo em vários trechos, que ficou desimpedido de obstáculos numa extensão de 75 km. Também a eclusa no quilômetro 2, a contar de Macaé, foi restabelecida. Essas obras visavam conferir ao canal o duplo objetivo de navegação e drenagem. Com respeito ao rio Macaé, especificamente, Bicalho empreendeu estudos sobre o porto de Macaé, incluindo o levantamento das enseadas das Conchas e de Imbetiba, assim como em relação ao rio, cuja foz desejava regularizar.

Candido Borges, com relação ao rio Macaé, limitou-se a promover nova limpeza e roçado em suas margens. Já Morais Rego construiu em Macaé um dique de contenção com vistas a melhorar a barra do rio, que estava criando empecilhos à entrada de barcos. Em 29 de abril de 1922, a Comissão do Canal de Macaé-Campos foi anexada à Fiscalização da Baixada Fluminense, cujo fim era o mesmo da anterior: restabelecer o canal Campos-Macaé, mas, em 1925, a criação da Comissão de Estudos e Obras contra Inundações da Lagoa Feia e Campos de Santa Cruz absorveu-lhe as funções (GÓES, Hildebrando de Araujo. Saneamento da baixada fluminense. Rio de Janeiro: Ministério da Viação e Obras Públicas, 1934).

A presença mais ostensiva do Estado na realização de obras hidráulicas na Baixada Fluminense se efetivou na primeira fase do governo de Getúlio Vargas, com a criação da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, em 1933, e com a transformação da Comissão no Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), em 1940, que transcendeu as fronteiras do estado do Rio de Janeiro para atuar em vários estados do Brasil. O relatório preliminar da Comissão, redigido pelo engenheiro Hildebrando de Araujo Góes, dedica poucas linhas à bacia do rio Macaé. Até mesmo o detalhado relatório de Camilo de Menezes, que só trata de obras efetuadas na Baixada dos Goytacazes entre 1935 e 1940, menciona o rio Macaé apenas por estar ligado ao rio Paraíba do Sul pelo canal construído no Império (“Descrição hidrográfica da Baixada dos Goitacases”. Campos: Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense, 1940).

Rio Macaé em 1940 sem as ilhas Colônia Leocádia e Caieira. Alberto Ribeiro Lamego

A intervenção do Departamento Nacional de Obras e Saneamento na foz do rio Macaé data do fim dos anos de 1960. A “Carta do Brasil”, do IBGE, cuja primeira edição foi lançada em 1969, com base em levantamentos efetuados entre 1965 e 1967, mostra a foz do rio Macaé ainda com seus meandros originais, recebendo pela margem esquerda a vala de Jurumirim e o Canal Campos-Macaé (FIBGE. Carta do Brasil, escala 1:50.000, folha SF-24-M-I-3 (Macaé). Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1969).

Uma planta do município de Macaé datada de 1965 retrata a foz do rio Macaé antes da drástica intervenção do DNOS. Na margem direita, figura o rio Teimoso e, na esquerda, o rio São Pedro, o córrego das Aduelas, o rio Jenipapo, a vala de Jurumirim e o canal Campos-Macaé (SILVA, Caio. Município de Macaé. Macaé: 3 de setembro de 1965).

Bacia do rio Macaé com projeto de canalização. Desenho de Caio Silva: 02 de setembro de 1968

Saltando para uma carta náutica de 1975, o quadro apresenta mudanças radicais. O rio já estava canalizado em seu curso final. O canal central criou três ilhas com os meandros do rio, sendo a maior delas a ilha Colônia Leocádia. O córrego Jurumirim, que desembocava na foz do Macaé, foi desviado para o canal Campos-Macaé, mas seu braço abandonado, juntamente com o canal e com o rio, formou a ilha da Caieira (Marinha do Brasil. “Brasil-Costa Leste: Enseada de Macaé e Proximidades”, 1975).

Enseada de Macaé e proximidades. Marinha do Brasil, 1975

Não apenas a foz, mas todos os cursos baixos dos rios Macaé e São Pedro, seu afluente, foram canalizados nos anos de 1970, principalmente visando a conquista de terras para a agropecuária numa extensa várzea denominada Brejo da Severina. De sinuosos, os rios tornaram-se retilíneos, o que acarretou o aumento da velocidade de seu fluxo, o rápido dessecamento de uma vasta área alagada e alagável, a substituição de ecossistemas nativos e transformados por ecossistemas antrópicos, a extinção de incontáveis nichos ecológicos, a turbidez das águas dos cursos hídricos e o aumento da taxa de sedimentação do manguezal da foz, já todo adulterado pelas obras de canalização no trecho final do rio.

Canalização do rio Macaé pelo DNOS nos anos de 1970. No vale, o canal central corta os meandros em forma de S. À esquerda, morro coberto com floresta. À direita, morro com vegetação suprimida. Foto do acervo do DNOS (maio de 1976)
Visão aérea da foz do Macaé. A seta apontada para o alto assinala o canal aberto pelo DNOS. À esquerda de quem olha, indica-se o rio morto, um meandro do curso original do rio. À direita, figuram o canal Campos-Macaé (perpendicular à costa), desembocando nele o rio Jurumirim. A mancha escura representa a ilha Colônia Leocádia. Todo entorno, em cor clara, mostra o grau de urbanização da área. Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Macaé

A instalação de uma base da Petrobras na cidade de Macaé, no final da década de 1970, para exploração das reservas de petróleo e gás natural existentes na plataforma continental da região norte do estado do Rio de Janeiro, produziu um abrupto impacto na economia, na sociedade e na cultura de uma cidade até então com feições ainda interioranas e sem estrutura para receber o colossal afluxo de pessoas à procura de emprego e de técnicos dos mais variados pontos do Brasil e do exterior. Numerosas empresas prestadoras de serviço fixaram-se também na cidade, que passou por um processo acelerado, desordenado e mutilador de urbanização. De pacato balneário, Macaé transformou-se em frenético centro urbano, com intenso trânsito de uma população de passagem. Os trabalhadores empregados na montagem da infraestrutura necessária às operações da Petrobras foram dispensados após o fim das obras, mas permaneceram em seus arredores. Na expectativa de se reintegrarem ao mercado de trabalho, essa legião de trabalhadores sem emprego buscou as áreas desocupadas, entre elas as praias rejeitadas pelas camadas médias e altas da sociedade e o manguezal do rio Macaé.

Ao longo do antigo leito do rio Macaé, agora transformado numa espécie de braço que parte do canal central e a ele retorna, chamado de rio morto, cresceu rapidamente um assentamento humano que recebeu o nome de Malvinas. Para tanto, houve a supressão de uma parte do manguezal. O poder público municipal e os órgãos governamentais de meio ambiente não tomaram providências para transferir os ocupantes da área. Antes, a prefeitura municipal consolidou a ocupação instalando infraestrutura mínima e criando um novo bairro. Tal atitude estimulou novas ocupações a montante das Malvinas, também na margem direita do rio. Pontes rústicas de madeira foram erguidas entre a margem e a ilha Colônia Leocádia, onde restou o maior fragmento de manguezal do rio. Várias casas foram erguidas em seu interior, implicando na supressão da vegetação nativa.

Na margem esquerda, a ilha da Caieira transformou-se num condomínio fechado de mansões. Para tanto, houve também o desarraigamento de mais outra fatia do manguezal, já estilhaçado pela canalização do rio. Uma dilatada área coberta por bosque de mangue na margem esquerda do rio, a montante da ilha Caieira, foi doada em caráter definitivo pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), em 1970, a Carlos emir Mussi e irmãos. A legalidade do documento não tem sustentação, pois as áreas de manguezal, em toda a sua extensão, são terrenos de marinha e bem da União. Além do mais, os bosques de mangue são vegetação de preservação permanente. O título de propriedade foi concedido após a promulgação das leis que protegem as áreas de mangue.

Ofício do Procurador Geral da Prefeitura de Macaé sustenta que “todo bairro de Nova Holanda é fruto de invasão e […] foi todo calcetado pelo ex-prefeito Carlos Emir Mussi.” Consta que esse prefeito, em sua última gestão, desapropriou área ilegalmente pertencente a ele e seus irmãos para instalar o bairro popular de Nova Holanda. Assim, a grande área coberta por manguezal doada ilicitamente como propriedade pelo IBRA à família Mussi foi dividida em duas partes, tendo uma delas a vegetação de mangue removida para a instalação de um bairro sobre área de preservação permanente. A outra parte continuou sob domínio irregular da família até ser invadida por pessoas de baixa renda. Essa invasão foi precedida pela construção de um Centro Integrado de Educação Pública (CIEP), estimulando a ocupação maciça de pessoas sem moradia.

A urbanização ilegal e desordenada das margens do rio Macaé, do Canal Campos-Macaé e do córrego Jurumirim não apenas exigiu o sacrifício de grandes extensões de bosque, como produziu tensores que tornaram os remanescentes do manguezal do rio Macaé o mais estressado de todos os manguezais ribeirinhos da região. O primeiro deles é o lançamento de descomunal carga orgânica nos sistemas hídricos e no manguezal oriunda de esgotos domésticos. O segundo é o carreamento de óleo para o interior do sistema por postos de combustível, garagens de veículos de transporte coletivo e principalmente pelo aeroporto municipal. O terceiro é o enorme volume de resíduos sólidos atirados nos sistemas hídricos e no manguezal.

O rio Macaé no século XXI

O espaço costeiro em que se ergueu Macaé está intensamente urbanizado. O trânsito de veículos congestiona a cidade nas horas de pico. O governo municipal satura a cidade de duas maneiras. A primeira é a expansão da cidade em direção ao interior, ocupando uma área que pertencia ao meio rural, onde ainda existem banhados associados à bacia do Macaé fundamentais no controle de enchentes e estiagens. A segunda é o programa de macrodrenagem da cidade.

Pretende-se que ambos sejam planejados, mas ambos são problemáticos. Os indutores do crescimento urbano são, principalmente, a Linha Verde, a Linha Azul e a Rodovia RJ-168. O espaço escolhido para a expansão é uma área de colinas e maciços costeiros, formação constituída por baixas elevações e depressões. Ela é irrigada por banhados e pequenos cursos d’água, fundamentais para a retenção e o escoamento de águas pluviais e para controle de cheias. Contudo, o crescimento horizontal da cidade implica, por um lado, no desmantelamento dessa área do interior, o que fornece material argiloso. Por outro, esse material é usado no aterro dos banhados. Em vários pontos da área escolhida para a expansão, avistam-se colinas escavadas pela retirada de material argiloso (TOUGEIRO, Jailce Vasconcelos. “Conflitos socioambientais motivados por ocupação de manguezais e restingas para fins de moradia no espaço urbano de Macaé/1997-2007”. Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense, 2008 (dissertação de mestrado).

Nas áreas aterradas, estão sendo construídas casas residenciais de alta e média rendas, encontrando-se também habitações populares; prédios destinados ao comércio, como shoppings, e à educação, como a cidade universitária; e prédios de instituições públicas. Os edifícios em que funcionam o Poder Judiciário Estadual, o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e a EMOPI foram construídos sobre um grande banhado aterrado, às margens da estrada RJ-168. O material para o aterro foi extraído de uma colina.

Como as colinas se situam próximas às depressões onde se formaram áreas úmidas, a obtenção de material para aterros se torna fácil. Assim, em vários pontos de Macaé, cortes em colinas são encontrados. E o processo de crescimento para o interior e sobre áreas outrora úmidas e rurais, nada apresenta de ordenado.

Quanto ao programa de macrodrenagem, seus impactos não são menores que os aterros. Ele objetiva drenar as áreas úmidas para facilitar mais ainda o aterramento. Assim, a expansão urbana de Macaé tende a nivelar excessivamente o terreno, rebaixando as colinas e elevando as depressões. Ele inclui, também, a canalização de inúmeros córregos que integram a bacia do rio Macaé. Pretende-se ainda conter a língua salina que avança pelo rio Macaé com a maré alta.

Macaé, hoje, é uma cidade saturada que busca soluções que agravam mais ainda a saturação. O rio Macaé deve ser entendido como o epicentro desse adensamento que já ultrapassou limites.

Hoje, as águas do Macaé abastecem a cidade do mesmo nome, Rio das Ostras e Barra de São João, além da Petrobras e de outros empreendimentos. A capacidade do rio tem limites, como já demonstraram estudos do Nupem-UFRJ (ESTEVES, Francisco de Assis; MARTINS, Rodrigo Lemes; MOLISANI, Mauricio Mussi; PETRY, Ana Cristina; COSTA, Rafael Nogueira; MENEZES, Jackson de Souza, DARIO, Fabio Di; BARROS, Marcos Paulo Figueiredo de, MINCARONE, Michael Maia, GONÇALVES, Pablo Rodrigues e FONSECA, Rodrigo Nunes da. “Carta das águas de Macaé: contribuição do Nupem/UFRJ para a governança dos recursos hídricos de Macaé”. Cadernos NUPEM nº6. Rio de Janeiro/Macaé:UFRJ/Nupem, 2015) e do Comitê de Bacia Hidrográfica dos Rios Macaé e das Ostras (SEA/CBH MACAÉ OSTRAS- Secretaria Estadual do Ambiente/ Comitê de Bacias Hidrográficas dos rios Macaé e das Ostras. “Plano de recursos hídricos da Região Hidrográfica Macaé e das Ostras: relatório síntese”. Rio de Janeiro, 2014), mas eles não são reconhecidos pelos empreendedores. Pretende-se instalar um terminal portuário no centro de Macaé. Embora a base de atracação esteja planejada para dentro do mar (já que em terra não conta com o mesmo espaço), toda a retroárea sobrecarregará a cidade e o rio Macaé, pois a água doce virá dele. Além do mais, termelétricas estão previstas para o município também recorrendo ao rio Macaé.

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