- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.
Antes do começo do Holoceno, tempo geológico atual, há cerca de 11.700 anos antes do presente, em vários pontos do Brasil, o continente era mais amplo, pois a linha costeira era mais baixa e recuada. Verificava-se essa configuração na grande Região dos Lagos, delimitada por nós entra a serra do Inoã, que a separa da baía de Guanabara, e o rio Macaé.
Em todo o mundo, um longo aquecimento global natural provocou o derretimento de geleiras que elevaram o nível dos mares. Grandes extensões continentais foram inundadas pelo mar. As ilhas onde hoje existem Irlanda e Inglaterra, Austrália e Tasmânia, ilhas que formam o Japão e a Indonésia e outras mais pelo mundo eram extensões continentais contínuas. Com a elevação do nível do mar, transformaram-se em ilhas.
Nas costas brasileiras, esse fenômeno também se operou. Várias ilhas próximas ao litoral eram terras continentais, a exemplo das ilhas formadoras do arquipélago de Santana, diante da foz do rio Macaé, e a ilha do Japonês, em frente do canal de Itajuru, que liga a lagoa de Araruama ao mar. Esse avanço do mar (transgressão marinha) alcançou seu ápice em 5.100 anos antes do presente. As terras continentais existentes onde hoje se localiza a Região dos Lagos ficaram submersas até o ponto em que as elevações altas detiveram o avanço do mar. No norte fluminense, o mar beirou a lagoa de Cima e o continente anterior foi dissolvido. Com o recuo (regressão) do mar, o rio Paraíba do Sul construiu um novo continente.
A partir de 5.100 antes do presente, as águas marinhas começaram a descer e uma nova linha costeira começou a se delinear. O que antes era terra se dissolveu, mas as pedras voltaram a aflorar. No leito do rio Macaé, o mar chegou à planície que recebeu posteriormente o nome de Brejo da Severina. Não se pode dizer que a nova linha costeira se fixou sem oscilações. Na verdade, ela se estabilizou por volta de 1500 anos antes do presente. Daí em diante, a dinâmica oceânica não sofreu variações tão acentuadas quanto aquelas que foram registradas até 5.100 a.p.
Na pequena Região dos Lagos, entre a serra do Inoã e o rio Una, as formações pedregosas contribuíram sobremaneira para a formação de restingas. Como explica Alberto Ribeiro Lamego num antigo estudo ainda válido nos dias de hoje, um restinga se forma quando areia transportada por correntes oceânicas encontra um ponto de resistência que a retém. Então, ela vai se acumulando até formar uma língua arenosa que se alarga e amplia o continente ou cerca uma porção de água e a transforma numa laguna (Restingas na costa do Brasil. “Boletim nº 96”. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura/Departamento Nacional da Produção Mineral/Divisão de Geologia e Mineralogia, 1940).
Mas a areia transportada por correntes marinhas pode não encontrar uma estrutura pedregosa que a retenha e mesmo assim formar-se uma restinga. Na ausência de pedras fixas, a areia transportada pode encontrar um jato de água que force a areia a se assentar no fundo do mar e construir uma restinga. É o caso da maior restinga do Estado do Rio de Janeiro, que foi formada pelo jato do rio Paraíba do Sul, muito mais forte no passado que atualmente.
No caso da pequena Região dos Lagos, quando o nível do mar regrediu, várias formações pedregosas novamente afloraram e progressivamente retiveram areia transportada pelas correntes marinhas. Assim, formaram-se restingas que aprisionaram água do mar e criaram um enorme cordão de lagunas. Tecnicamente, a laguna difere da lagoa por ter contado permanente ou periódico com o mar.
Na pequena Região dos Lagos, existem três complexos lagunares: Maricá, Saquarema e Araruama. Os três se comunicam com o mar de forma permanente por meio de canais. Outro aspecto a ser destacado são as altas concentrações de sal. A formação de restingas não apenas aprisionou água, mas também sal. A lagoa de Araruama é classificada como hipersalina. Na grande restinga formada pelo rio Paraíba do Sul em associação com as correntes marinhas, o sal ficou aprisionado no fundo (a conhecida água conata) e nas imediações do Cabo de São Tomé.
Quando o mar avança sobre o continente na forma de transgressão marinha e não como ondas, é de se supor que a água se comporte como água do mar, com ondas, correntes e marés. Foi o que aconteceu no norte fluminense. Quem conheceu a antiga costa anterior a 5.100 anos A.P, como os povos pioneiros (nativos) entendia que estava diante do mar. O mesmo entendimento valia para a Região dos Lagos na mesma época. Quando o mar recua, contudo, não se pode prever com segurança o que acontecerá, embora se possa levantar hipóteses. Se temos uma zona costeira com pedras, pode-se supor que restingas se formem criando lagoas. Se, ao contrário, no fundo do mar não há pedras, como no caso do norte fluminense, mas um grande rio, pode-se prever que uma planície aluvial se forme. Mas nenhum geólogo pode fazer uma previsão exata.