- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.
Além da floresta estacional semidecidual que se estendia por toda a zona de tabuleiros do atual território de São Francisco de Itabapoana, hoje reduzida a fragmentos dos quais o mais expressivo é a Mata do Carvão (protegida pela Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba), devemos distinguir ainda mais duas formações vegetais nativas: a vegetação de restinga e os manguezais.
Na tipologia proposta por Henrique Pimenta Veloso, Antônio Rosa Rangel Filho e Jorge Carlos Alves Lima (Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: IBGE, 1991), a vegetação nativa de restinga é considerada como sofrendo influência marinha. Numa breve descrição, pode-se dizer que restinga é uma formação geológica e geomorfológica de origem oceânica. Normalmente, ela se constitui quando um obstáculo na costa, seja ele sólido ou líquido, leva sedimentos arenosos transportados por correntes marinhas a se depositarem na zona costeira, criando uma faixa de areia. Sobre ela é que vão avançar plantas do continente, adaptando-se ao novo solo, de início muito pobre em matéria orgânica e salino, pois que lavado pelo mar. Com o tempo, entretanto, plantas pioneiras vão mudando as condições de fertilidade do solo com a deposição de galhos e folhas mortas. Assim, favorecem a colonização por outras espécies mais exigentes.
Na divisão territorial, São Francisco de Itabapoana ficou com a ponta norte da maior restinga do estado do Rio de Janeiro, construída pelo rio Paraíba do Sul a partir de 5 mil anos passados. Como na parte sul, que fica nos municípios de São João da Barra e Campos, a vegetação nativa de restinga, na margem esquerda do rio Paraíba do Sul apresenta, no geral modo, três zonas distintas. A primeira, a contar da costa, é constituída por plantas herbáceas, como a salsinha da praia, as salicórnias e as ipoméias, não faltando um ou outro exemplar de cacto e gravatá. O caráter rasteiro da vegetação se explica pela ação do vento que vem do mar e que não permite o desenvolvimento de plantas arbustivas e arbóreas. É um erro pensar que essa vegetação rasteira não tem importância. Ela cumpre o papel de fixar a areia e impedir que o vento a desloque. Se essa faixa da restinga não conta com árvores é porque a natureza estabelece limites. Arrancar as plantas rasteiras dessa zona para plantar casuarina, coqueiro e amendoeira vem a ser uma ação das mais danosas, visto que estas espécies arbóreas não desempenham o papel da manta vegetal herbácea.
Na segunda zona, os ventos já perdem um pouco sua força e permitem o desenvolvimento de uma vegetação arbustiva, sem que as plantas de porte herbáceo desapareçam. Encontramos nela pitangueiras, aroeiras e abaneiros cercados de cactos e gravatás. Tanto Maximiliano de Wied-Neuwied quanto Saint-Hilaire, naturalistas europeus que passaram pela restinga de São Francisco de Itabapoana em 1815 e 1818, respectivamente, não deram a ela a devida importância. Interessados em florestas, que não mais existiam na Europa, eles enxergaram os manguezais e a vegetação de restinga como medíocres e até como anomalias da natureza.
Por fim, a terceira zona, onde os ventos são amainados pela própria vegetação, esta assume porte arbóreo, com espécies como o ingazeiro, o cajueiro, a aroeira, as figueiras, a quixabeira, o araçazeiro da praia, as abaneiras, o jenipapinho do mato, o murici, o bacupari e outras. A biodiversidade vegetal e a complexidade ecossistêmica aumentam. Habitavam aí animais como moluscos, cobras, lagartos, aves, ouriço caixeiro, gato maracajá, tatu, guaxinim, onça e macacos. Esta diversidade faunística devia-se ao contato direto ou quase direto com a mata estacional.
Quanto aos manguezais, Veloso, Rangel Filho e Lima consideram-no uma formação pioneira de origem fluviomarinha. Isto porque eles costumam se desenvolver em foz de rios no mar, recebendo água doce deles e água salgada do mar através da intrusão das marés. As espécies exclusivas de manguezal, no sudeste do Brasil, são quatro: mangue vermelho (Rhizophora mangle), mangue branco ou preto (Laguncularia racemosa) e duas siribeiras (Avicennia germinans e A. schaueriana). Mas outras espécies se associam a elas, a exemplo da guaxuma (Hibiscus pernambucensis), do rabo-de-galo (Dalbergia ecastophyla), samambaia- do-brejo (Acrostichum aureum), mololô (Anonna glabra), mangue-de-botão (Conocarpus erectus) e aninga (Montrichardia arborecens), dentre as principais. Os animais encontrados nos manguezais são os caranguejos uçá, guaiamum e aratu, camarões, caramujos, mariscos e ostras, cobras, aves e mamíferos.
De todos os municípios do norte fluminense, São Francisco de Itabapoana é o que conta com mais áreas de manguezal. Nas desembocaduras dos rios Itabapoana e Paraíba do Sul, bem como na do Canal Antônio Resende-rio Guaxindiba, sempre abertas para o mar, encontram-se os mais expressivos manguezais do município. O do rio Paraíba do Sul, se não é o maior do Estado do Rio de Janeiro, inclui-se entre os maiores. Nos demais rios que chegavam ao mar e que foram barrados naturalmente ou por intervenção humana, os manguezais ou ficaram aprisionados ou desapareceram. Na Lagoa Doce, já houve um pé de mangue branco adulto com prole e vários indivíduos jovens de mangue vermelho trazidos pelo mar. Agora, por meio de uma nova vala, algumas sementes de mangue vermelho começam a germinar. No ribeirão de Guriri, encontra-se o mangue branco e a siribeira. No ribeirão de Tatagiba, uma vala aberta entre ele e o mar, permitiu o desenvolvimento de um pequeno manguezal com três espécies. No ribeirão de Buena, há um manguezal que viveu em profundo estresse com mangue vermelho e branco. Atualmente, ele se recuperou. No córrego de Manguinhos, nada mais restou, mas as condições para o enraizamento de sementes de mangue continuam. Quanto à lagoa Salgada e o córrego de Barrinha, os manguezais desapareceram por intervenções humanas profundas.