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O fim da Coleta Seletiva Solidária em Campos – a quem interessa?

Profa. Érica Almeida (Assistente Social, Professora do Curso de Serviço Social da UFF Campos e do PPG em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas)

Muitos campistas não sabem que a Coleta Seletiva, em Campos, existe há mais de duas décadas. Diferente de outros municípios, que optaram por construir uma coleta seletiva solidária com os catadores organizados em cooperativas e associações, a Coleta Seletiva de Campos teve início com a criação da SACI (Sociedade de Apoio à Criança e ao Idoso), ainda nos anos de 1990.

Responsável por realizar um sistema de troca, no qual a população, empresários, comerciantes e os próprios catadores podiam trocar os recicláveis por ticekts no valor de R$1,00 e R$5,00, a SACI, segundo os seus criadores, ajudava os catadores, principalmente os catadores de rua, a deixarem de vender para os “atravessadores”, considerando que a mesma pagava um pouco acima do preço oferecido pela maioria dos compradores locais. Segundo entrevistas com membros da SACI, depois de pagar os custos com os serviços de triagem, enfardamento, dentre outros, o material era comercializado e revertido para Entidades Sociais de Apoio à criança e ao idoso. Em 1997, com o apoio da Prefeitura, por intermédio de um convênio com a SACI, houve uma ampliação da Coleta Seletiva local que passava a ser realizada pela Empresa Concessionária, a Vital Engenharia Ambiental.

Com o fechamento do lixão, em 2012, que deixou sem trabalho e renda mais de 400 catadores, muitos deles com 20 anos de trabalho na catação de recicláveis no lixão, a Prefeitura Municipal continuou entregando à SACI os resíduos da Coleta Seletiva realizada pela Empresa Concessionária, que naquela época coletava em 90t/mês de recicláveis. Depois de três anos do fechamento do lixão e sem nenhuma resposta institucional relacionada à inclusão socioeconômica deste grupo, os catadores do antigo lixão se organizaram em duas Cooperativas para receberem, por intermédio de uma sentença judicial, os resíduos da Coleta Seletiva. Mais tarde, em 2017, já eram quatro cooperativas, que juntas, negociavam com a Prefeitura local a sua participação na Coleta Seletiva e na educação ambiental dos moradores, conforme orientação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, 2010). Segundo a PNRS (2010), as Prefeituras devem contratar as Associações e /ou Cooperativas para a realização deste serviço ambiental urbano de extrema necessidade, em substituição ou em parceria com a Empresa Concessionária.

Lamentavelmente isso não foi em frente. Além das Cooperativas não terem sido contratadas para realizarem a Coleta Seletiva, o governo local diminuiu drasticamente os recursos para este serviço a partir de 2017. Dos cinco caminhões que operavam na coleta seletiva, restou apenas um e dos cinco mil pontos de coleta seletiva existentes à época, apenas duzentos pontos compõem a rota atual da coleta seletiva da cidade, demonstrando o desfinanciamento de uma atividade tão relevante do ponto de vista socioambiental e ao mesmo tempo o desprezo político por um grupo social vulnerabilizado e para o qual a sua inclusão na Coleta Seletiva representa uma chance única de integração social, sobretudo em um contexto de desemprego e precarização crescentes.

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A redução drástica da coleta seletiva, sem nenhum debate público, impactou as Cooperativas, diminuindo sensivelmente o número de cooperados e os seus rendimentos assim como as suas perspectivas de melhoria das condições de trabalho e de rendimento. Atualmente, 60 catadores e catadoras (que no início de 2017, chegaram a ser mais de 100), resistem à precarização do trabalho nas Cooperativas, acreditando na reversão desta situação.

A crise econômica, e logo depois, a pandemia da Covid-19, aumentaram a pressão sobre as Cooperativas que continuam perdendo os resíduos da coleta seletiva. O curioso é que o município, com seus mais de 500 mil habitantes, gera, em média, 1kg de resíduos por pessoa/dia. Desses, 30% são resíduos recicláveis, o que significa 150 t/dia. Não é difícil perceber que centenas de famílias que hoje estão desempregadas e em situação de insegurança alimentar grave poderiam estar vivendo com mais dignidade. Para isso, seria necessário que aqueles que ocupam o executivo local, o legislativo e mesmo as instituições de justiça, olhassem para essa questão a partir das deliberações da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que desde 2010, vem cobrando dos governos municipais, dentre outros, ações que reafirmem o sentido público da reciclagem e não só a sua natureza mercantil e lucrativa.

Há décadas, através do seu trabalho, os catadores alimentam uma cadeia produtiva poderosa, que enriqueceu e ainda enriquece industriais e comerciantes e, mais recentemente, investidores do mercado financeiro. Já passou da hora de distribuirmos essa riqueza com os catadores. Proibidos de serem aterrados, pelo seu impacto ambiental, os resíduos recicláveis devem ser geridos de modo a terem o seu tempo de vida alongado o máximo possível. Este, em princípio, deveria ser o sentido da reciclagem, ou pelo menos, um deles. Além disso, não podemos nos esquecer de que os recicláveis negociados no mercado são, em sua grande parte, “bens públicos” e que, por isso mesmo, devem ter uma gestão responsável tanto social, quanto ambientalmente. As inovações tecnológicas que vêm possibilitando a transformação de resíduos sólidos em “mercadorias” não só diminuem os custos de produção de inúmeros produtos, como também reduzem os impactos do uso abusivo dos recursos ambientais. Todavia, essa transformação só é possível porque milhões de catadores fazem a coleta deste material por meio de um trabalho penoso, insalubre e extremamente mal remunerado. O Brasil já encontrou a solução para este problema urbano e ambiental. Chama-se Coleta Seletiva realizada pelas Cooperativas e Associações de Catadores (PNRS, 2010). Qualquer outra solução fere não apenas as legislações vigentes, mas, também, os princípios da justiça social e da cidadania.

Nos últimos quatro anos, as experiências nesta área demonstraram um retrocesso nesta questão, empurrando os catadores para a invisibilidade, para a precarização e insalubridade. Além dos grandes grupos econômicos que controlam os serviços de limpeza pública no País, os catadores vêm enfrentando a multiplicação de inciativas privadas que querem “abocanhar” os resíduos que, historicamente, eram doados solidariamente àqueles que o recolhiam nas ruas e nos lixões, gerando trabalho e renda para suas famílias. Por último e não menos importante, a Coleta Seletiva impede que milhões de toneladas de resíduos recicláveis sejam aterradas, gerando gases tóxicos que contribuem para o agravamento da crise climática. Nesse sentido, é preciso lembrar que todos nós somos responsáveis pelos resíduos que geramos e, portanto, com uma gestão pública responsável social e ambientalmente. A Coleta Seletiva realizada pelos Catadores tem um potencial socioambiental imenso, além de recuperar os laços de solidariedade entre moradores e trabalhadores.

Cobre do seu governo a coleta seletiva com a participação dos catadores! Ela é comprovadamente a melhor opção na gestão dos resíduos sólidos residenciais e comerciais. Além disso, ela tem sido, historicamente, uma importante política pública de transferência de renda para os mais vulnerabilizados. Com apoio de uma política pública efetiva e em conformidade com a PNRS (2010), ela pode se tornar uma estratégia de integração produtiva e social de uma parcela significativa de trabalhadores e trabalhadoras excluídos do mercado de trabalho formal e, também, daqueles que mais recentemente vêm sofrendo o drama do desemprego e da fome.

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