Entre os rios Itapemirim e Macaé (I)

A zona costeira compreendida entre os rios Itapemirim e Macaé tem formação geológica recente, mas diferenciada. Entre os rios Itapemirim e Guaxindiba, os cursos d’água correm em terrenos de tabuleiros, com idade estimada de 5 milhões de anos. Entre o Guaxindiba e o Iguaçu, hoje reduzido à lagoa do Açu, os rios correm numa planície aluvial e numa restinga com cerca de 5 mil anos. Entre a lagoa do Açu e Barra do Furado, estende-se um cordão arenoso estreito e alto também com idade recente. Algo em torno de 2.500 anos. Esse cordão liga a restinga de Paraíba do Sul à restinga de Jurubatiba. Esta é bem mais antiga, com cerca de 120 mil anos. Chega-se então ao rio Macaé.

Embora com idades distintas, a costa toda é nova e não conta com formações pedregosas. Diante da foz do Itapemirim, há uma pequena ilha pedregosa. Em frente a foz do Macaé, também se encontra o arquipélago de Santana. Entre esses dois pontos, existe apenas a ilha das Andorinhas, que tende a ser erodida pelo mar e desaparecer em pouco tempo pela perspectiva geológica. No mais, qualquer pedra encontrada nessa costa nova, baixa, lisa, com intensos processos erosivos, com alta salinidade do ar foi lançada no mar por ação humana, como em Marataízes, Guaxindiba, Açu, Barra do Furado e Macaé.

Do ponto de vista humano, essa imensa área entre os rios Itapemirim e Macaé foi habitada por povos do grande grupo linguístico macro-jê, como puris, coroados, coropós e goitacás. Todos eles foram extintos pela colonização portuguesa, que começou no século XVI, principalmente após a divisão do Brasil em capitanias hereditárias. É sintomático que a capitania de São Tomé se estendesse aproximadamente do rio Macaé às imediações do rio Itabapoana, sendo fixada no rio Itapemirim por acordo entre os donatários das capitanias de São Tomé e do Espírito Santo.

A capitania de São Tomé foi doada a Pero de Gois, que instalou sua sede – a Vila da Rainha, na foz do rio Itabapoana, com uma extensão portuária nesse mesmo rio junto à última queda d’água. Ficou conhecida como Porto de Limeira. Essa primeira tentativa de colonização fracassou e a capitania foi devolvida à Coroa Ibérica em 1619 por Gil de Gois, filho de Pero. A colonização contínua da região começou efetivamente em 1632, com os Sete Capitães, fidalgos do Rio de Janeiro e de Cabo Frio que receberam terras entre os rios Iguaçu e Macaé. Consta que pescadores de Cabo Frio fundaram um arraial na foz do rio Paraíba do Sul em 1622. A colonização predominante foi a dos Sete Capitães, com a criação de gado e a plantação de cana.

Pelos rios que chegam ao mar, colonos de origem europeia subiram em direção à Capitania de Minas Gerais, assim como, desta, desceram comerciantes, mineradores e ruralistas. Passemos em revista os principais rios que favoreceram esse trânsito entre litoral e interior.

A bacia do Itapemirim

O rio Itapemirim nasce do município de Laginha, na região da Zona da Mata Mineira, e deságua no Oceano, nas cercanias da cidade capixaba de Marataízes. A bacia no seu todo conta com 687. 000 hectares. Dezessete municípios organizaram-se em seu âmbito, reunindo cerca de 409.614 habitantes: Alegre, Atílio Viváqua, Conceição do Castelo, Castelo, Ibatiba, Ibitirama, Irupi, Jerônimo Monteiro, Muniz Freire, Muqui, Vargem Alta, Venda Nova do Imigrante, Itapemirim, Cachoeiro do Itapemirim, Marataízes e Iúna (todos no estado do Espírito Santo) e Lajinha (em Minas Gerais).

Sua nascente localiza-se na Serra do Caparaó, em meio à Mata Atlântica. Seus afluentes principais são os rios Castelo e Muqui. A vegetação nativa em quase toda a bacia era a Mata Atlântica Estacional Semidecidual. No estuário, desenvolveram-se manguezais.

A colonização da bacia em moldes europeus resultou na supressão de quase toda a vegetação nativa por uma economia inicial de extrativismo que se beneficiou da lenha e da madeira. Houve também a queimada em larga escala para abrir espaço à agropecuária. Há o extrativismo de pedras em Cachoeiro do Itapemirim. As principais lavouras aí cultivadas foram a cana-de-açúcar e o café. Hoje, ao lado da agropecuária, deve-se acrescentar a urbanização desordenada, sendo ilustrador o caso de Cachoeiro do Itapemirim, mas não únco.

O desmatamento acarretou a erosão e esta o assoreamento. Os insumos químicos empregados na agropecuária e o esgoto urbano contibuem para a eutrofiação dos limnossistemas, mormente em seus trechos lênticos (baixa circulação).

Como em todos os rios e núcleos urbanos dessa vasta região, que denomino Ecorregião de São Tomé, as oscilações climáticas provocam enchentes com as chuvas ou ressecamento com as estiagens. Embora a bacia do Itapemirim já conte com áreas reflorestadas, a recomposição florestal nativa ainda está longe de atingir nível adequado para equilibrar enchentes e secas, bem como conter erosão e turbidez.

Há projetos com objetivo a proteção de nascentes e o reflorestamento de margens, de forma a aumentar a oferta de água e melhorar a qualidade desse bem tão necessário à vida, envolvendo sempre a comunidade e as escolas. Seus objetivos são: a recuperação de nascentes; de mata ciliar; a construção de aproximadamente três mil metros de cerca; o plantio de mudas de árvores nativas e frutíferas; e a mobilização e sensibilização ambiental das comunidades envolvidas no projeto.

Entre os rios Itapemirim e Macaé
Foz do rio Itapemirim

É preciso mais. Urge reflorestar nascentes, áreas de preservação permantente, a criação de Unidades de Conservação, aumento da biodiversidade terrestre e aquática. A bacia já está infestada por espécies exóticas, sendo difícil retirá-las. Cumpre também a melhoria da qualidade de água, com a implantação de redes coletoras de esgoto e estações de tratamento terciário.

Em 2016, a Editora Essentia, do IFF/Campos, publicou “Itinerário da freguesia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana à Gruta das Minas do Castelo”, de Manoel Basílio Furtado, excelente documento sobre expedição às bacias do Itabapoana e Itapemirim em 1875.

 

Do Itapemirim ao Itabapoana

Entre os rios Itapemirim e Itabapoana, melhor dizendo, na unidade norte de tabuleiro, corriam, no passado, vários pequenos cursos d’água com foz no oceano. De norte para sul, sucedem-se dois córregos sem nome, os córregos Encantada, Funda, D’Anta, do Siri, Lagoinha, Cações, Pitas, Mangue, Caculucage, Quarteis, Tiririca, Boa Vista e Marobá. Esses pequenos cursos d’água corriam quase despercebidos entre a vasta floresta estacional semidecidual. Eles deviam ter sua foz permanente ou periodicamente abertas. A evidência mais cabal de que a maioria deles mantinha contato com o mar é a presença de manguezais em seu estuário. Ainda hoje, alguns conseguem manter sua barra aberta, mas quase todos assumiram fisionomia de lagoas. Tanto que seus nomes são precedidos atualmente pelo substantivo lagoa. Além do desmatamento e da erosão, os leitos desses córregos alagoados estão assoreados. A atividade agropastoril e a urbanização são os principais agentes da sua destruição. Para revitalizá-los, é imprescindível o reflorestamento das Áreas de Preservação Permanente, o bloqueio de insumos químicos para seu interior, a construção de sistemas adequados de circulação d’água, a eliminação de barragens ao longo de seus cursos e a recomposição dos manguezais.

Foz do córrego/lagoa de Marobá
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A bacia do Itabapoana

O rio principal desta bacia nasce da confluência dos rios São João e Preto, na Serra do Caparaó, atravessando grande trecho do embasamento cristalino, que, com seus desníveis, produzem quedas d’água; cruza também tabuleiros, alastrando-se por extensas várzeas na estação das cheias, e desemboca no oceano Atlântico, depois de conseguir romper a estreita faixa de restinga que, na parte norte da ecorregião, faz limite com os tabuleiros.

Da nascente na Serra do Caparaó ao oceano, onde desemboca, seu curso e de seus afluentes corriam entre a Mata Atlântica em suas feições ombrófila (sempre verde), estacional semidecidual (verde na estação chuvosa) e manguezal. O rio principal da bacia foi tomado da nascente à foz como divisa entre os estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Segundo informação de geólogo canadense George Frederick Harrt, sua foz se bifurcava em três braços. Hoje, a foz deslocou-se para o sul por redução de vazão e pelas correntes marinhas (“Geologia e geografia física do Brasil”. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1941).

As florestas foram drasticamente removidas por uma atividade extrativista ou, como nas bacias anteriores, simplesmente desarraigadas para dar lugar à agropecuária e, mais tarde, à urbanização. A erosão causou assoreamento dos rios da bacia. Mais tarde, com a urbanização, o esgoto despejado in natura comprometeu a qualidade das águas. Da mesma forma, os insumos químicos carreados para os vales. Várias barragens foram erguidas para a geração de hidroeletricidade.

A parte baixa dos rios da bacia foi radicalmente alterada por obras de canalização executadas pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), sobretudo numa grande várzea em que o rio Itabapoana se alastrava, nomeada de lagoa Feia do Itabapoana. Em tempos de cheia, essa baixada ainda tenta voltar às suas dimensões originais (Lagoa Feia do Itabapoana e conflitos sociais. ACSELRAD, Henri (org.). “Conflito social e meio ambiente”. Rio de Janeiro: Relume Dumará/FASE: 2004).

Até hoje, impressiona o desconhecimento que se tem da bacia quando comparada à do rio Paraíba do Sul. A Universidade Federal Fluminense, em parceria com os municípios banhados pela bacia, implementou um projeto que visava empreender um diagnóstico da bacia como um todo para, posteriormente, propor medidas com vistas a sua recuperação ambiental (UFF. “Projeto Managé”. Niterói: Universidade Federal Fluminense, setembro de 1995).

Outro problema a ser resolvido, ainda não se sabe como exatamente, é a supressão progressiva do manguezal do lado do Rio de Janeiro pela vila de Barra do Itabapoana. Quanto à biodiversidade, preocupa a proliferação de espécies exóticas de peixe, como o bagre africano e a tilápia. As espécies nativas são comprometidas pelo desmatamento, pela poluição, pelas barragens, pela introdução de espécies exóticas e pela pesca predatória.

 

Foz do córrego/lagoa de Marobá

Torna-se fundamental um grande programa de reflorestamento das Áreas de Preservação Permanente da bacia, a implantação de redes de coleta de esgoto e seu tratamento terciário; a proteção dos brejos, que são incontáveis ao longo da bacia; a remoção das espécies exóticas dos rios; a proteção do manguezal nos dois Estados; a reintrodução de espécies nativas; e a criação de Unidades de Conservação. De fundamental importância é a transformação da lagoa Feia do Itabapoana em Reserva Extrativista Nacional. A proteção de uma análise representativa da restinga de Marobá deve ser criada, pois ela se acha ameaçada pela construção de um mineroduto e de um porto. A bacia não comporta mais nenhuma represa. Algumas, inclusive, devem ser desativadas e removidas.

No que concerne às enchentes e às estiagens, presume-se que o reflorestamento amenize ambos, já que as florestas nativas retêm água nas cheias e as perenizam nas secas.

Do Itabapoana ao Guaxindiba

Entre os rios Itabapoana e Guaxindiba, há uma sequência de pequenos cursos d’água com nascente na unidade norte de tabuleiros da ecorregião de São Tomé e foz no oceano. Este tipo de formação fluvial prossegue abaixo do rio Guaxindiba, agora afastadas do mar pela seção setentrional da grande restinga de Paraíba do Sul. No Holoceno médio, esses cursos d’água desembocavam no mar. Porém, as desembocaduras foram tamponadas pela restinga, que as afastou do mar.

Toda a área dos tabuleiros setentrionais era revestida por uma extensa cobertura de Mata Estacional Semidecidual, que era interrompida pelo rio Itabapoana e prosseguia até o rio Itapemirim. Os pequenos e quase despercebidos cursos d’água deviam então manter seus desaguadouros permanente ou periodicamente abertos. Plantas de manguezais no estuário de alguns atestam esse contato com o mar. Do norte para o sul, são eles os córregos Salgado, Doce, Guriri, Tatagiba, Buena, Barrinha e Manguinhos.

Foz do ribeirão de Guriri

A grande mata do Sertão de Cacimbas foi derrubada para a extração de lenha e madeira ou simplesmente queimada a fim de abrir espaço para a agropecuária. Mais tarde, instalou-se no chamado Sertão de São João da Barra, hoje Município de São Francisco de Itabapoana, a Nuclemon, empresa federal de lavra de terras raras, hoje com o nome de INB. Nessas terras cada vez mais empobrecidas pela erosão, pela lixiviação e pela lavra, existem plantações de cana, mandioca e abacaxi, além da pecuária.

Completamente escalvada, essas terras são muito vulneráveis a enchentes e a estiagens. Os pequeninos rios que a drenam sofrem também com represas construídas por proprietários rurais, com estradas vicinais construídas pela prefeitura e com as duas rodovias abertas pelo DER-RJ: a RJ-224 e a RJ-198.

A recuperação parcial dessa grande extensão de terra requer a demarcação dos córregos e seu reflorestamento ciliar, a remoção dos obstáculos dentro de seus leitos, ao menos sistemas de circulação de água nas estradas municipais e estaduais.

Brejos e nascentes devem ser protegidos, assim como a reintrodução da fauna nativa, terrestre e aquática. A única Unidade de Conservação no interior do município é a Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba, com sede nova e moderna. Mas ainda há carência de áreas protegidas, como a enseada do Retiro e o trecho final bacia de Buena.

A bacia do Guaxindiba

Fascina a arquitetura da bacia do rio Guaxindiba. Sublinhando-a na Carta do Brasil IBGE, tem-se como resultado um desenho semelhante a uma árvore copada de caule curto cujos galhos foram penteados pelo vento, como aquelas plantas que não conseguem crescer de forma arredondada à beira da praia pela ventania intensa. A rigor, o rio Guaxindiba nasce nas imediações da sede do distrito campista de Morro do Coco, batizado com o nome de ribeirão Grande. Logo em seguida, passa a se chamar ribeirão Guaxindiba e vai recebendo incontáveis afluentes e subafluentes, que lhe conferem o aspecto de uma intrincada rede arterial. Seus mais notáveis afluentes são os córregos do Valão Seco, Alegria dos Anjos e Santa Luzia, que, juntos, engrossam no dilatado brejo da Cobiça. O próprio rio Guaxindiba engorda com o nome de brejo do Espiador, que, além de receber águas da Cobiça, recebe também o contributo do brejo da Floresta. Os três formam uma área bastante pantanosa já perto do mar.

Complexo do sistema Guaxindiba
Complexo do sistema Guaxindiba

A bacia do Guaxindiba, em sua feição atual, não corresponde mais ao que ela foi há cerca de duzentos anos, quando a quase totalidade da sua área de drenagem era cercada por densas florestas estacionais, das quais restou apenas o remanescente ameaçado da Mata do Carvão e fragmentos melancólicos aqui e acolá. Artérias, veias e capilares estão entupidos pelo colesterol da sedimentação. Por elas, o sangue não mais circula como antes. Ainda em 1940, Camilo de Menezes afiançava que o rio Guaxindiba era o único entre o Itabapoana e o Paraíba do Sul que conseguia manter sua barra permanentemente aberta (“Descrição hidrográfica da Baixada dos Goitacazes. Campos: Ministério da Viação e Obras Públicas/Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense/Residência da Baixada dos Goitacazes, abril de 1940). Cobertura vegetal nativa era o segredo desta vitalidade. Era ela que protegia as inúmeras nascentes, que sustentava as margens dos cursos d’água formadores da bacia, que acumulava a umidade das chuvas para assegurar perenidade ao sistema hídrico. Sua remoção foi devastadora para ele. Outras intervenções antrópicas acabaram por transformar a bacia.

Nos anos de 1970, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento acabou optando por uma das propostas formuladas por Camilo de Menezes: a de abrir um canal partindo do rio Paraíba do Sul, a jusante da cidade de Campos, até a lagoa do Campelo e passando pela lagoa do Taquaruçu. Esse canal, batizado de Vigário, aproveitou um sistema hídrico já existente: a Vala do Pires. Defluindo por um vertedouro construído na ponta setentrional da lagoa do Campelo, um outro canal, o Engenheiro Antonio Resende, aproveitava o curso d’água embutido numa depressão entre a restinga e os tabuleiros, com nome de brejo do Campelo, para chegar até a foz do rio Guaxindiba, que passou a ser afluente do canal. A ele, foi ligado o antigo canal de Cacimbas, pela margem direita, e, pela esquerda, foram abertos os canais da Saudade, de Floresta e Guaxindiba, este último chamado de Valão Novo, pela população local. Foi este canal que contribuiu para drenar o brejo do Espiador, grande abastecedor do rio Guaxindiba ou, melhor dizendo, o próprio rio Guaxindiba engordado pelo lento fluxo de suas águas (Depoimento prestado ao autor por Divaldo Carvalho em 18/02/2000).

Foz do canal Engenheiro Antonio Resende com a desembocadura do rio Guaxindiba
Foz do canal Engenheiro Antonio Resende com a desembocadura do rio Guaxindiba

Mas há outros fatores impactantes operando no sistema Guaxindiba-Engenheiro Antonio Resende-Valão Novo. Um deles é a urbanização desregrada nas margens dos dois primeiros cursos d’água do conjunto, gerando desmatamento, esgoto e lixo, vale dizer, matéria orgânica e inorgânica. O sistema hídrico está pressionado e invadido pelos balneários de Guaxindiba e Sossego. Outro é o derrame de óleo no canal Engenheiro Antonio Resende e no rio Guaxindiba, pois barcos de pequeno calado conseguem penetrar no canal e no rio até certo ponto, efetuando descarte de óleo. O terceiro é a supressão do manguezal para obras públicas.

 

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