- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.
Descendo a serra do noroeste-norte fluminense e antes de chegar à planície, passa-se por uma zona ondulada cor de barro. Ela não contém pedras. Apenas concreções ferruginosas. Nas partes altas das ondulações (colinas), havia, no passado, pujantes florestas. Nas partes baixas, era comum formarem-se lagoas isoladas ou ligadas a algum rio. Há dez mil anos, os tabuleiros estendiam-se entre os rios Itapemirim e Macaé. Entre 7 mil e 5 mil anos passados, o mar avançou sobre a parte mais baixa dessa grande unidade de tabuleiros, provavelmente subindo o vale do Paraíba do Sul, e dividiu as Barreiras em duas partes. Uma se estende agora do rio Itapemirim à margem esquerda do rio Paraíba do Sul. A outra fica entre Quissamã e Macaé.
Convém que o possível leitor desse artigo comece a observar os terrenos onde pisa. Note as diferenças entre as margens direita e esquerda do rio Paraíba do Sul. Busque um terreno livre de cobertura urbana na margem direita e veja como ele é argiloso e plano. Na margem esquerda, não é difícil perceber as ondulações do terreno, sobretudo na estrada que liga Campos a São Francisco de Itabapoana. Depois, fique atento às diferenças de terreno na estrada para São Fidélis, onde começam a aparecer elevações pedregosas. Já estamos no domínio serrano. As escolas deviam estar empenhadas em ministrar esses ensinamentos.
Entre os rios Itapemirim e Guaxindiba, corriam riachos que desembocavam no mar. A colonização europeia devastou as florestas nesse trecho da costa, o que levou os córregos, entre outros motivos, a perderem força e serem barrados pelo mar. Hoje, alguns ainda têm um regime periódico. No outono-inverno, o mar obstrui suas desembocaduras. Na primavera-verão, as chuvas forçam a abertura das barras. Isto quando não ocorre abertura manual ou mecânica. Nesse estirão costeiro, a lagoa mais conhecidas é a do Siri. As de Caculucage e do Criador são as maiores. Já no estado do Rio de Janeiro, a maior lagoa nesse trecho da costa é a de Tatagiba, barrada pela atividade de mineração.
A partir do Guaxindiba, os pequenos rios que desciam das partes altas e desembocavam no mar foram barrados por uma grande restinga formada pelo Paraíba do Sul, restinga essa que afastou o mar das Barreiras. A lagoa do Campelo e o Brejo de Cacimbas, encerrados nessa restinga, passaram a receber as águas dos córregos de tabuleiro. A lagoa de Macabu, em São Francisco de Itabapoana, fluía para o brejo de Cacimbas. Esse brejo foi aproveitado para a abertura de um canal de navegação de mesmo nome no século XIX. Várias outras lagoas, tendo a grande lagoa da Saudade ao centro, fluem ainda para a lagoa do Campelo, que tem ligação com o Paraíba do Sul. A geógrafa Leidiana Alves demonstrou, de forma convincente, a ligação dessas lagoas de tabuleiros com a lagoa do Campelo em “Análise geossistêmica da variação temporo-espacial dos espelhos d’água das lagoas do sistema Campelo entre os anos de 2006 e 2015” (Campos dos Goytacazes: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, 2016).
De todas as lagoas de tabuleiros, a mais urbanizada e conhecida da região é a lagoa do Vigário, em Guarus. Ela se comunicava com o rio Paraíba do Sul. Ela também se ligava a outras lagoas hoje pouco conhecidas, principalmente com a abertura do canal do Nogueira, no século XIX, que pretendia permitir a navegação entre o rio Paraíba do Sul e a lagoa do Campelo. Eram as lagoas Maria do Pilar, Olaria, Taquaruçu e Fogo. Quase todas foram soterradas pela cidade.
Seguindo em direção ao rio Muriaé, a bela lagoa do Cantagalo foi fragmentada em três. A lagoa das Pedras ainda conserva atributos que justificam a sua proteção. Já no vale do Muriaé, várias lagoas de tabuleiros se ligam a esse rio. A mais bela lagoa de tabuleiros de toda unidade aí se encontra. É a lagoa Limpa. Mais adiante, estão as lagoas do Lameiro e da Boa Vista, muito mutiladas pela agroindústria sucroalcooleira.
Uma grande lagoa à margem esquerda do rio Muriaé, já entre os tabuleiros e a região serrana, é a lagoa da Onça. Semelhante à lagoa de Cima em sua configuração, ela era formada pelo rio da Onça, que desce da serra de mesmo nome e alagava uma vasta depressão, formando a antiga lagoa da Onça. Na ponta sul desta, um extravasor, ainda com o nome de Onça, ligava a lagoa ao rio Muriaé. No caso da lagoa de Cima, seu principal alimentador é o rio Imbé e seu extravasor é o rio Ururaí. Houve um autor no passado que entendeu a lagoa de Cima como o rio Imbé grávido e o Ururaí como continuação do Imbé.
No século XIX, o trecho do rio da Onça entre o Muriaé e a lagoa foi aproveitado como canal de navegação para o transporte de lenha e madeira, pois as florestas eram abundantes. Pequenos rebocadores subiam o canal, atravessavam a lagoa e entravam no trecho superior do rio da Onça, onde foi instalado um ancoradouro batizado de porto da Madeira. No século XX, a lagoa foi drenada e ocupada com a cana-de-açúcar.