- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.
Que me conste, a mais antiga notícia escrita sobre o rio do Colégio foi redigida pelo capitão cartógrafo da Infantaria Manoel Martins do Couto Reis. Ele foi designado para levantar uma carta do Distrito dos Campos dos Goitacazes. Para tanto, percorreu a área correspondente ao atual norte-noroeste fluminense entre 1783 e 1785. Na verdade, percorreu um pouco menos, pois a zona serrana era quase inacessível por ainda ser povoada por índios não aculturados, segundo os temores do século XVIII. Além do mapa, ele redigiu um relatório com preciosas informações (Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis – 1785. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, 2011).
Sobre o rio do Colégio, ele deixou apenas essa nota: “O rio do Colégio ou dos Algodoeiros tem seu nascimento nas serras que bordam a margem meridional do Paraíba: neste faz barra ao poente do rio Preto; a sua navegação é igualmente insignificante.” Sua curta descrição do rio aparece logo em seguida ao registo do rio Preto, que “tem as suas primeiras vertentes nas vizinhanças do Imbé, passa entre montes e faz barra no Paraíba ao oeste da Vila de São Salvador. É de pequeno curso e menor navegação. Dele sai um braço ainda mais limitado que vai desaguar no Ururaí.”
Couto Reis distingue este rio Preto de outro, que, pela descrição, trata-se do rio Urubu, que corre junto ao rio Imbé e deságua na lagoa de Cima. Tanto o primeiro rio Preto mencionado pelo militar cartógrafo quanto o rio do Colégio não apresentam interesse para a navegação por serem serranos. A utilidade de um rio estava muito associada à sua navegabilidade, pois havia apenas estradas de terra para percurso a pé e a montaria. Lembremos que, naquele tempo, não existiam ferroviais e rodovias. Daí, certamente, a desinteresse por rios total ou parcialmente não navegáveis.
Ambos têm suas nascentes em pontos elevados da Serra do Mar, conhecida localmente pelo nome genérico de Imbé. O rio do Colégio corre pela vertente interior dela e desemboca no Paraíba do Sul. Já o rio Preto tem seu curso na vertente externa (atlântica) da Serra do Mar. Quando ele alcança a planície aluvial, sua foz se bifurca. Um braço desemboca no Paraíba do Sul e outro no rio Ururaí, que nasce na lagoa de Cima. O rio Preto merecerá maior atenção em artigo vindouro. Por ora fiquemos apenas com o rio do Colégio.
São Fidélis nasceu como aldeia para catequese dos índios coroados e puris por volta de 1780. No princípio do século XIX, já havia uma estrada movimentada entre Campos e São Fidélis. Por ela, passou o príncipe naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied, que deixou uma bela descrição da paisagem encontrada nas cercanias do rio do Colégio. Ele escreveu: “Após atravessarmos agradável região cheia de aspectos variados, atingimos a fazenda do Colégio, já ao anoitecer; seguimos, porém, antes que ficasse completamente escuro, até o pequeno rio do Colégio, que éramos obrigados a transpor. Os cavalos e burros tiveram que deslizar por forte rampa, que a chuva tornara de todo escorregadia, e alguns rolaram por ela abaixo. Contudo, passamos sem novidade a profunda e rápida corrente, embora ficássemos completamente encharcados. Logo penetramos numa densa floresta, à margem do rio, que prosseguiu, durante légua e meia, até S. Fidélis. Era, então, noite fechada e a trilha, muito estreita, passando, muitas vezes, sobre a própria barranca íngreme do rio, era inóspita e obstruída pela galharia seca e as árvores tombadas. O soldado, que conhecia bem o caminho, cavalgava adiante, e constantemente apeava, com o nosso pessoal, para remover os obstáculos, o que nos obrigou, muitas vezes, a afastar os cavalos a boa distância. Chegamos, por fim, a uma brusca e profunda ribanceira, atravessada por estreita ponte constituída por três troncos de árvores. Puseram nela uma série de travessas, para garantir marcha mais firme aos animais; apesar disso, escorregaram em várias ocasiões; e alguns quase caíram. Com um pouco de paciência, conseguimos, felizmente, superar mais essa dificuldade. Nas sombras da floresta, esvoaçavam inúmeros insetos luminosos, gritavam curiangos, grandes cigarras se ouviam a extraordinária distância, e a estranha toada de um exército de rãs ressoava nas trevas noturnas da brenha solitária. Alcançamos, afinal, um campo à beira do rio, e achamo-nos de repente no meio das malocas dos índios Coroados de S. Fidélis.” (Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989).
O príncipe alemão representava a civilização ocidental e transportava em seu íntimo uma vertente da globalização: a do conhecimento científico. Ele era um grande caçador e colecionador de animais. Em momento nenhum da sua viagem ao Brasil, entre 1815 e 1817, ele falou na necessidade de proteger as maravilhas da natureza que encontrava. É de se supor que brasileiros e europeus julgavam que os ecossistemas nativos do Brasil eram inextinguíveis e não careciam de proteção.
Antônio Moniz de Souza, naturalista amador sergipano, em suas viagens pelo Brasil, deteve-se em Campos nos anos de 1827 e 1828. Partindo da vila (pois só foi elevada à condição de cidade m 1835), ele subiu o rio Muriaé até onde possível, o rio Paraíba do Sul e visitou a lagoa de Cima, deixando informações preciosas (Viagens e observações de um brasileiro. Salvador: IGHB, 2000). Sobre o rio do Colégio, ele fez um pequeno registro: “Também se encontra do mesmo lado (margem direita do Paraíba do Sul) um córrego chamado do Colégio na foz do qual, e mesmo à borda do Paraíba, está uma engenhoca de vapor de serrar madeiras no que faz de rendimento anualmente cinquenta e tantos contos sujeitos à despesa.” Moniz de Souza confirma informação de Hermann Burmeister quanto ao rio Pomba (Viagem ao Brasil através das Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte/Itatiaia; São Paulo/Edusp, 1980), que passou pela Aldeia da Pedra (atual Itaocara) em direção a Minas Gerais em meados do século XIX, sobre o desmatamento do futuro Noroeste fluminense. A destruição das florestas já caminhava a passos largos nas serras do Mar e da Mantiqueira.
Em 1837, foi a vez do Major Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde. Ele deixou um relatório em que registra brevemente a existência do rio do Colégio. Esse documento tinha por finalidade examinar o estado das estradas da região e propor melhorias para elas (Relatório da 4ª Seção de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro apresentado à respectiva diretoria em agosto de 1837. Rio de Janeiro: Imprensa Americana de I. F. da Costa, 1837). Abordaremos em outro artigo as propostas do major para a estrada de Campos a Cantagalo passando por São Fidélis.
Por fim, o francês J.C.R. Milliet de Saint-Adolphe, no precioso Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império do Brasil, publicado em 1863 (Paris: Vª. J-P. Aillaud, Guidard e Cia), apenas registra Algodoeiro como “pequeno território do distrito de Campos, na província do Rio de Janeiro, que nos antigos tempos havia sido plantado de algodoeiros, donde lhe veio o nome que tem.”
Couto Reis, em 1785, informa que o rio do Colégio também era conhecido como Algodoeiros. Sabe-se que o empresário Francisco Ferreira Saturnino Braga publicou uma série de artigos no Monitor Campista com o título geral de “Do algodoeiro e sua cultura” (Campos: 8, 9 e 10 de março de 1883), estimulando o plantio de algodão. Ele mesmo deu o exemplo cultivando a fibra e montando uma fábrica de tecido em Campos. Sabe-se da existência de famosa algodoeira em São Fidélis. Haveria alguma relação entre o rio dos Algodoeiros, Saturnino Braga e a atividade de beneficiamento de algodão em São Fidélis? Trata-se de um tema para pesquisa.