- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.
Examinando a costa fluminense, notamos que, da divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro à baía da Guanabara, a zona serrana confina com o mar. A poucos quilômetros da linha de costa são alcançadas grandes altitudes. A proximidade entre a Serra do Mar e as praias não permitiu o desenvolvimento de grandes rios. Eles nascem na vertente atlântica da montanha, descem sua encosta, formam pequenas planícies e desembocam no mar. Na direção da baía da Guanabara, notamos a formação de restingas maiores que afastarão o mar da serra. Constituiu-se, nas imediações da Guanabara, a baixada de Sepetiba, com a típica restinga da Marambaia e algumas lagoas na Tijuca. Este é o primeiro setor da costa fluminense para fins de nossas análises, embora oceanógrafos, geólogos e geógrafos reconheçam mais detalhes.
Da baía da Guanabara ao rio Macaé, partem ramificações da Serra do Mar no sentido perpendicular ao oceano que favoreceram a formação de restingas. Estruturas pedregosas dentro do mar, como ilhas costeiras, constituem espigões para a retenção de areia e a formação de restingas. Assim, a linha de costa vai se definindo. Em toda o litoral que se estende da baía de Guanabara ao rio Macaé, formaram-se lagoas paralelas à praia, como os complexos lagunares de Maricá e de Saquarema e a grande lagoa de Araruama. Alberto Ribeiro Lamego publicou em 1940 um trabalho sobre a formação de restingas que continua válido nos dias de hoje. Trata-se de “Restingas da Costa do Brasil” (Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, Departamento Nacional de Produção Mineral. Divisão de Geologia e Mineralogia, Bol. 96).
Formaram-se também lagoas perpendiculares à linha costeira. São antigos cursos d’água barrados pela força do mar em caráter permanente ou periódico. A ação humana também contribuiu para que córregos se transformassem em lagoas alongadas. O desmatamento e os barramentos reduziram o fluxo hídrico, permitindo que o mar tapasse as desembocaduras desses pequenos rios. Formaram-se, assim, lagoas alongadas, como as de Iriri, Itapebussus e Imboacica. Em razão de uma certa unidade fisionômica na costa entre a baía da Guanabara e o rio Macaé, entendemos a Região dos Lagos não apenas como o trecho costeiro entre a Guanabara e o rio Una, mas, de forma ampliada, entre a Guanabara e o rio Macaé. Este é o segundo segmento da costa fluminense para os fins deste artigo.
Entre o rio Macaé e o rio Itapemirim, o segundo já no Espírito Santo, a zona costeira muda completamente de aspecto. Em 1848, José Saturnino da Costa Pereira escrevia que, nesse trecho, uma grande área baixa afasta o mar da serra (“Apontamentos para a formação de um roteiro das costas do Brasil com algumas reflexões sobre o interior das Províncias do litoral e suas produções”. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1848). Por outro lado, o geólogo canadense Charles Frederick Harrt entendeu, em 1870, que a serra se afastava do mar (“Geologia e Geografia física do Brasil”. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1941). Estudos efetuados a partir de Alberto Ribeiro Lamego mostram que o rio Paraíba do Sul desempenhou papel fundamental na formação de uma grande planície que afastou a linha costeira da zona serrana (“O homem e o brejo”, 2ª ed. Rio de Janeiro: Lidador, 1974 e “Geologia das quadrículas de Campos, São Tomé, Lagoa Feia e Xexé”. Boletim nº 154 da Divisão de Geologia e Mineralogia. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1955).
A tese atual sobre a formação dessa grande baixada foi formulada por Louis Martin, Kenitiro Suguio, José M.L. Dominguez e Jean-Marie Flexor (“Geologia do Quaternário costeiro do litoral norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo”. Belo Horizonte: CPRM. 1997). Há discordâncias acentuadas entre as duas teses, mas ambas concordam quanto ao papel desempenhado pelo rio Paraíba do Sul. Seu jato potente não apenas transportou sedimentos da zona serrana e dos tabuleiros para formar uma grande planície aluvial mas também funcionou como espigão hídrico para reter areia do mar e construir a maior restinga do Rio de Janeiro. Este é o terceiro segmento da costa fluminense, segundo o critério aqui adotado.
A partir do rio Itapemirim, afloramentos pedregosos voltam a aparecer nas praias e nas ilhas. Restingas formaram-se ao norte do rio pela retenção de estruturas pedregosas. Uma grande planície fluviomarinha só será encontrada novamente na bacia do rio Doce.
Da divisa de São Paulo e Rio de Janeiro a Arraial do Cabo, o litoral descreve uma linha com orientação oeste-leste, cortada pelas reentrâncias das Baias da Ilha Grande, Sepetiba e Guanabara. Entre Arraial do Cabo e a Ponta da Sapata, a costa faz uma curva no sentido sudoeste-nordeste. Todo este litoral está exposto a fortes ondas e correntes marinhas. Da Ponta da Sapata à margem direita do Rio Macaé, forma-se uma grande e suave enseada onde a energia oceânica se abranda. Da margem esquerda do Rio Macaé ao Cabo de São Tomé, a costa descreve uma discreta linha inclinada no sentido sudoeste-nordeste. A partir do cabo de São Tomé, registra-se uma forte inflexão ns sentido setentrional.
Quanto à Região dos Lagos no sentido ampliado que aqui propomos, podem-se reconhecer quatro segmentos da grande enseada que se forma entre a Ponta da Sapata e o rio Macaé. Um estudo formulado sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente divide esse estirão costeiro em quatro segmentos que tomam como pontos de referência a Ponta da Sapata, o rio Una, o rio São João e o rio Macaé. Todos eles apresentam importância ecológica (“Avaliação e ações prioritárias para a conservação da biodiversidade das zonas costeira e marinha”. Brasília: MMA, 2002). Para fins da nossa análise, contudo, fiquemos com a divisão da costa fluminense e com a grande Região dos Lagos aqui propostas.