Há uma relação direta e indireta entre a restauração de ecossistemas e todos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
O papel da restauração de ecossistemas como solução para os problemas ambientais é bastante conhecido, como por exemplo o sequestro de carbono da atmosfera e a formação de habitat para a biodiversidade. O que poucas pessoas sabem é que a restauração tem uma relação direta com o bem-estar da sociedade e das gerações futuras, e pode ser um dos principais elos entre o desenvolvimento socioeconômico e a conservação da natureza.
Reconhecendo a contribuição da restauração de ecossistemas para o alcance da Agenda 2030, através dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a ONU declarou a Década para a Restauração de Ecossistemas (2021 e 2030) com o objetivo de prevenir, deter e reverter a degradação dos ecossistemas em todo o planeta, incluindo ecossistemas terrestres, marinhos e aquáticos.
Como detalha um estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), há uma relação direta e indireta entre a restauração de ecossistemas e todos os 17 ODS. A restauração garante, por exemplo, a provisão direta de alimentos, água e outros recursos em ecossistemas restaurados, assim como serviços ecossistêmicos essenciais à agricultura e à saúde e ao bem-estar das pessoas.
Estudos também mostram que a degradação de ecossistemas está diretamente relacionada à emergência de novas doenças com potencial impacto social e econômico superlativos, cenário agravado por causa das mudanças climáticas. Por si, enquanto isso, a restauração é uma ação de mitigação do aquecimento global, aumentando as oportunidades de adaptação e resiliência humana. A restauração favorece ainda a vida na terra e na água em todas as suas formas. E isso, tem uma relação direta com a diminuição de conflitos e a paz em diferentes escalas.
“A restauração é considerada a solução baseada na natureza mais eficiente para o sequestro de carbono atmosférico, por isso é fundamental no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e do Acordo de Paris”, destaca a oficial de Programa do PNUMA, Regina Cavini.
Impacto econômico – A restauração ainda gera impactos positivos na economia ao promover a geração de renda e empregos, podendo contribuir com a erradicação da pobreza localmente. Um estudo recente mostrou que a cadeia produtiva da restauração gerou 8.223 empregos diretos no Brasil em 2020, sendo 43% permanentes e 57% temporários. Os empregadores eram principalmente organizações sem fins lucrativos (48%) e empresas privadas (37%).
Esse estudo foi realizado por pesquisadores com os dados da Vitrine da Restauração da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (SOBRE). Com esses dados, os pesquisadores identificaram que a restauração pode criar até 0,42 empregos por hectare, a depender do método usado. Para se ter uma ideia comparativa, na cadeia da soja é gerado um emprego a cada dez hectares.
Os métodos de restauração ativa, com plantio de sementes e/ou mudas, dependem de uma cadeia produtiva mais complexa e geram mais empregos e renda localmente, com a coleta e beneficiamento de sementes, produção de mudas, serviços de plantio, manutenção, insumos e outros.
Já a restauração passiva, através da condução da regeneração natural, também gera empregos com atividades relativas à proteção (como o cercamento e o aceiramento) e o manejo (como a capina, o enriquecimento, etc) da área, mas gera menos postos de trabalhos comparados aos métodos ativos.
Novas oportunidades – Com os dados desse estudo, os pesquisadores estimaram que o Brasil criaria entre 1 e 2,5 milhões de empregos diretos para cumprir seu compromisso com o Acordo de Paris (12 milhões de hectares), principalmente em áreas rurais.
Segundo uma das autoras do estudo, Ludmila Pugliese, “com a restauração, o Brasil pode desenvolver uma economia de baixo carbono inclusiva e com a geração de empregos e renda no meio rural”.
A cadeia produtiva da restauração é ainda uma oportunidade para garantir a inclusão econômica de grupos vulneráveis e a equidade de gênero. Um bom exemplo disso são as redes de sementes que têm se estabelecido no Brasil, gerando trabalho e renda em comunidades indígenas, quilombolas e assentamentos rurais, a partir do manejo sustentável de ecossistemas conservados, e com grande participação e liderança de mulheres.
Essas iniciativas geram engajamento e fortalecimento das comunidades locais, reconhecimento das vozes e dos saberes tradicionais, e ao mesmo tempo promovem justiça ambiental. As populações mais afetadas pela degradação ambiental podem agora ser a base da cadeia da restauração de ecossistemas.
Políticas públicas – A restauração representa uma oportunidade para alavancar economias locais por meio de emprego e renda. Mas, para que esse não seja um mercado efêmero, é fundamental que se torne uma atividade permanente, com previsibilidade e equilíbrio entre a oferta e demanda pelos produtos e serviços da cadeia produtiva, o que ainda não existe na maioria das regiões do Brasil.
Espera-se que o principal indutor da restauração no Brasil seja o cumprimento das exigências legais, em particular da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651/2012), conhecida como Código Florestal que regulamenta e traz mecanismos para a conservação e a restauração da vegetação nativa em áreas privadas no país. Essa lei criou instrumentos para orientar e acelerar a adequação ambiental de Áreas de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal (RL) nos imóveis rurais.
Para impulsionar a agenda de restauração no Brasil, foi estabelecida a Política Nacional para a Recuperação da Vegetação Nativa – Proveg (Decreto 8972/2017), cujo principal instrumento de implementação é o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg).
Mas, o cumprimento da lei e a implementação das políticas e mecanismos relacionados ainda é muito baixa em todo o território nacional. Uma das causas disso é uma falsa ideia de incompatibilidade entre a produção agrícola e a conservação e restauração de ecossistemas nativos.
Valor dos ecossistemas – A restauração não deve ser vista pelos produtores rurais apenas como uma obrigação legal ou um ônus financeiro, pois a produtividade agrícola depende dos serviços que os ecossistemas fornecem, na escala local, regional e até nacional. A mensuração e a valoração dos serviços ecossistêmicos são fundamentais para que as contribuições da natureza à sociedade sejam consideradas e integradas nas tomadas de decisões em políticas públicas e privadas. Não se trata de tornar a natureza uma commodity, mas sim de reconhecer que a natureza contribui para o bem estar e prosperidade das pessoas.
Com a mensuração e valoração dos serviços ecossistêmicos será possível comparar os impactos de projetos de infraestrutura e agricultura, por exemplo, e o legado de restauração ou de degradação que será deixado para as futuras gerações. O Oficial de Projetos do PNUMA-WCMC, Matheus Couto, reforça que “uma das premissas da Década é influenciar para que os subsídios para setores que causam degradação ambiental sejam revertidos para setores que regeneram ecossistemas”.
Além disso, existem estratégias de restauração produtiva que promovem a recuperação da funcionalidade ecológica em sistemas produtivos eficientes e rentáveis que podem ser adaptados de pequenas a grandes propriedades rurais. Alguns exemplos são os Sistemas Agroflorestais, a Silvicultura com espécies nativas de alta rentabilidade, o enriquecimento e manejo de florestas secundárias, sistemas produtivos integrados, agricultura de baixo carbono, entre outros.
O enriquecimento e o manejo de florestas restauradas, seja para a produção de produtos florestais madeireiros e não-madeireiros, são outra alternativa que concilia restauração, conservação e produção. Segundo o Fórum Econômico Mundial, projetos de restauração podem ter alta rentabilidade, chegando a retornos superiores a 13:1.
Financiamento – Além de políticas públicas adequadas, a restauração de ecossistemas e toda a cadeia produtiva associada dependem de incentivos financeiros e instrumentos econômicos que viabilizem o ganho de escala necessário.
Isso inclui financiamento público e privado, cooperação internacional, acesso à sistemas de crédito que sejam adaptados às atividades de restauração, que não tem uma taxa de retorno como investimentos ou sistemas produtivos convencionais. Os esquemas de Pagamento de Serviços Ambientais (PSA) e o mercado de carbono são outras alternativas de financiamento da restauração, que precisam ser regulamentadas de forma a incluir salvaguardas sociais e ambientais claras.
No âmbito da Década da Restauração, a implementação do Plano de Ação dependerá das finanças públicas e do desbloqueio do capital privado em grande escala, mediante a mobilização estratégica de fundos ambientais internacionais como o Fundo Verde para o Clima (GCF) e o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), assim como diferentes tipos de investimento privados.
Além disso, novos mecanismos de financiamentos estão sendo desenvolvidos para promover a restauração, como o Fundo Fiduciário Multi-Parceiros e o Mecanismo de Capital Semente para Restauração. Ações de visibilidade e plataformas de matchmaking entre iniciativas e investidores estão em desenvolvimento.
Desigualdade – A relação entre a degradação ambiental e a pobreza é conhecida pela ciência há décadas. Mundialmente, PNUMA e Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estimam que a degradação afeta negativamente 3,2 bilhões de pessoas (mais de um terço da população mundial).
A relação entre a restauração e a prosperidade também está comprovada. A restauração pode ter um papel fundamental na recuperação econômica pós-pandemia.
A Década da Restauração de Ecossistemas é um chamado global para reverter a situação de degradação, sensibilizar a sociedade e criar sinergias entre os diferentes setores.
Como ser um parceiro – A estrutura de parcerias da Década inclui diversas opções de engajamento. Por exemplo, os “Atores” são entidades que estão desenvolvendo ativamente programas e projetos de restauração em campo, apoiando ou facilitando a articulação de atividades de restauração.
Os parceiros da Década devem assumir compromissos de longo prazo com a Restauração dos Ecossistemas, ajudar a ONU a construir recomendações baseadas em evidências e a alcançar novos setores e comunidades. Também é importante que os parceiros se envolvam nos grupos de trabalho e divulguem a Década através de seus canais de comunicação.
Fonte: ONU