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Arthur Soffiati

- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.

A grande Região dos Lagos

Examinando a costa fluminense, notamos que, da divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro à baía da Guanabara, a zona serrana confina com o mar. A poucos quilômetros da linha de costa são alcançadas grandes altitudes. A proximidade entre a Serra do Mar e as praias não permitiu o desenvolvimento de grandes rios. Eles nascem na vertente atlântica da montanha, descem sua encosta, formam pequenas planícies e desembocam no mar. Na direção da baía da Guanabara, notamos a formação de restingas maiores que afastarão o mar da serra. Constituiu-se, nas imediações da Guanabara, a baixada de Sepetiba, com a típica restinga da Marambaia e algumas lagoas na Tijuca. Este é o primeiro setor da costa fluminense para fins de nossas análises, embora oceanógrafos, geólogos e geógrafos reconheçam mais detalhes.

A grande Região dos Lagos
Rio Peraquê-Açu, às margens do qual ergue-se a histórica cidade de Parati. Ele pode ser tomado como limite meridional da zona costeira fluminense

Da baía da Guanabara ao rio Macaé, partem ramificações da Serra do Mar no sentido perpendicular ao oceano que favoreceram a formação de restingas. Estruturas pedregosas dentro do mar, como ilhas costeiras, constituem espigões para a retenção de areia e a formação de restingas. Assim, a linha de costa vai se definindo. Em toda o litoral que se estende da baía de Guanabara ao rio Macaé, formaram-se lagoas paralelas à praia, como os complexos lagunares de Maricá e de Saquarema e a grande lagoa de Araruama. Alberto Ribeiro Lamego publicou em 1940 um trabalho sobre a formação de restingas que continua válido nos dias de hoje. Trata-se de “Restingas da Costa do Brasil” (Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, Departamento Nacional de Produção Mineral. Divisão de Geologia e Mineralogia, Bol. 96).

Maquete da Baía da Guanabara mostrando sua entrada estreita. Ela é tomada como divisor de dois setores do litoral fluminense

Formaram-se também lagoas perpendiculares à linha costeira. São antigos cursos d’água barrados pela força do mar em caráter permanente ou periódico. A ação humana também contribuiu para que córregos se transformassem em lagoas alongadas. O desmatamento e os barramentos reduziram o fluxo hídrico, permitindo que o mar tapasse as desembocaduras desses pequenos rios. Formaram-se, assim, lagoas alongadas, como as de Iriri, Itapebussus e Imboacica. Em razão de uma certa unidade fisionômica na costa entre a baía da Guanabara e o rio Macaé, entendemos a Região dos Lagos não apenas como o trecho costeiro entre a Guanabara e o rio Una, mas, de forma ampliada, entre a Guanabara e o rio Macaé. Este é o segundo segmento da costa fluminense para os fins deste artigo.

Foz do rio Macaé

Entre o rio Macaé e o rio Itapemirim, o segundo já no Espírito Santo, a zona costeira muda completamente de aspecto. Em 1848, José Saturnino da Costa Pereira escrevia que, nesse trecho, uma grande área baixa afasta o mar da serra (“Apontamentos para a formação de um roteiro das costas do Brasil com algumas reflexões sobre o interior das Províncias do litoral e suas produções”. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1848). Por outro lado, o geólogo canadense Charles Frederick Harrt entendeu, em 1870, que a serra se afastava do mar (“Geologia e Geografia física do Brasil”. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1941). Estudos efetuados a partir de Alberto Ribeiro Lamego mostram que o rio Paraíba do Sul desempenhou papel fundamental na formação de uma grande planície que afastou a linha costeira da zona serrana (“O homem e o brejo”, 2ª ed. Rio de Janeiro: Lidador, 1974 e “Geologia das quadrículas de Campos, São Tomé, Lagoa Feia e Xexé”. Boletim nº 154 da Divisão de Geologia e Mineralogia. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1955).

A tese atual sobre a formação dessa grande baixada foi formulada por Louis Martin, Kenitiro Suguio, José M.L. Dominguez e Jean-Marie Flexor (“Geologia do Quaternário costeiro do litoral norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo”. Belo Horizonte: CPRM. 1997). Há discordâncias acentuadas entre as duas teses, mas ambas concordam quanto ao papel desempenhado pelo rio Paraíba do Sul. Seu jato potente não apenas transportou sedimentos da zona serrana e dos tabuleiros para formar uma grande planície aluvial mas também funcionou como espigão hídrico para reter areia do mar e construir a maior restinga do Rio de Janeiro. Este é o terceiro segmento da costa fluminense, segundo o critério aqui adotado.

Os três setores da costa fluminense para fins do presente artigo

A partir do rio Itapemirim, afloramentos pedregosos voltam a aparecer nas praias e nas ilhas. Restingas formaram-se ao norte do rio pela retenção de estruturas pedregosas. Uma grande planície fluviomarinha só será encontrada novamente na bacia do rio Doce.

Foz do rio Itapemirim: o espigão da margem direita liga a foz a um ilhéu de pedra

Da divisa de São Paulo e Rio de Janeiro a Arraial do Cabo, o litoral descreve uma linha com orientação oeste-leste, cortada pelas reentrâncias das Baias da Ilha Grande, Sepetiba e Guanabara. Entre Arraial do Cabo e a Ponta da Sapata, a costa faz uma curva no sentido sudoeste-nordeste. Todo este litoral está exposto a fortes ondas e correntes marinhas. Da Ponta da Sapata à margem direita do Rio Macaé, forma-se uma grande e suave enseada onde a energia oceânica se abranda. Da margem esquerda do Rio Macaé ao Cabo de São Tomé, a costa descreve uma discreta linha inclinada no sentido sudoeste-nordeste. A partir do cabo de São Tomé, registra-se uma forte inflexão ns sentido setentrional.

Quanto à Região dos Lagos no sentido ampliado que aqui propomos, podem-se reconhecer quatro segmentos da grande enseada que se forma entre a Ponta da Sapata e o rio Macaé. Um estudo formulado sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente divide esse estirão costeiro em quatro segmentos que tomam como pontos de referência a Ponta da Sapata, o rio Una, o rio São João e o rio Macaé. Todos eles apresentam importância ecológica (“Avaliação e ações prioritárias para a conservação da biodiversidade das zonas costeira e marinha”. Brasília: MMA, 2002). Para fins da nossa análise, contudo, fiquemos com a divisão da costa fluminense e com a grande Região dos Lagos aqui propostas.

Grande Região dos Lagos: da baía da Guanabara ao rio Macaé

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