- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.
A parte em rosa e ocre claros representam a zona serrana baixa, de grande antiguidade pelo trabalho erosivo exercido nela pela natureza. A parte cinza representa a Serra do Mar (Imbé) e a porção em que se encontra a lagoa de Cima é formada por colinas e maciços costeiros, também muito trabalhados ao longo do tempo.
Mônica Miranda Falcão e Verônica da Matta, pesquisadoras da extinta Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA), efetuaram, em 1995, um levantamento das lagoas do estado do Rio de Janeiro. O total alcançou 105, sendo 67 situadas no recorte que recebeu sucessivamente os nomes de Distrito dos Campos Goitacazes, Comarca de Campos e Região Norte-Noroeste Fluminense (Relação das Lagoas do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Superintendência Estadual de Rios de Lagoas, 1995). Embora tenha sido um levantamento superficial, pois baseado apenas na Carta do Brasil 1:50.000, lançada em 1968, e sem confirmação no terreno, trata-se de um levantamento pioneiro que confirmou o norte fluminense como a verdadeira região dos lagos. Em 105 lagoas, 67 estão no interior da Ecorregião de São Tomé, observando-se que não foram consideradas todas as lagoas de tabuleiros e as lagoas drenadas. Um levantamento histórico, revelaria número maior de lagoas.
Se se tratasse de uma verdadeira lagoa, a Preta estaria na mais alta posição em relação às outras e seria muito isolada, pois localiza-se no âmbito do município de Miracema. Uma vistoria no terreno, contudo, indica que se trata de antiga represa de uma fazenda, contando com pequena superfície. Ela é formada pelo córrego Lagoa Preta. Barrado, ele se alarga numa depressão e volta a fluir na outra ponta. Mesmo assim, a área alagada artificialmente cria um sistema lagunar a ser protegido.
Antes de sair da zona serrana, o rio Muriaé alagava e ainda alaga depressões em suas margens, formando expressivas lagoas. Uma delas ainda existe em Cardoso Moreira, no âmbito de um assentamento rural. Outra de grande extensão é a lagoa de Imburi, também alimentada pelo rio Muriaé e drenada pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). Com o abandono das obras, a lagoa tende a retornar e a se recuperar.
A lagoa de Cima está embutida numa depressão da zona de colinas e maciços costeiros. Uma lagoa pode se formar numa depressão existente no terreno ou pode ser escavada por um rio. Os rios Imbé e Urubu encontraram uma depressão natural e formaram a lagoa de Cima. O córrego de Cacumanga, na planície aluvial, escavou uma depressão transformada em lagoa. O mesmo aconteceu com a lagoa Feia do Itabapoana.
O cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis anotou, em 1785, que a lagoa de Cima “… é a segunda em extensão, agradável a sua situação, e vistosas as suas margens por serem em outeiros, e em planos. Existe entre o Morro do Itaoca, e o Rio Paraíba, com a vantagem de uma fácil navegação.” (Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis – 1785: Descrição geográfica, política e cronográfica do Distrito dos Campos Goitacazes. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima; Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011). Manuel Aires de Casal, em 1817, registra-a: “…tem légua e meia de comprido, e mais dezesseiscentas braças na maior largura, compreendendo o saco da Pernambuca.” (Corografia brasílica. São Paulo: Edusp, 1976).
O relato antigo mais completo da lagoa foi escrito pelo sergipano Antonio Muniz de Souza, que a visitou em 1828 e não lhe poupou elogios: “Parece que a natureza formou este local para asilo da meditação, e do repouso (…) Em alguns pontos de suas praias encontram-se pedras, que abundam em ferro; argila ou ocre de um lindo amarelo. De suas margens, que totalizam cinco léguas de circunferência, pode-se avistar o ‘soberbo’ morro do Itaoca.” (Viagens e observações de um brasileiro, 3ª ed. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 2000). O major Henrique Luiz de Bellegarde Niemeyer, em 1837, limita-se a dizer “que tem 3.200 braças sobre 1.000, recebe as águas do Rio Imbé, e comunica-se com a Lagoa Feia pelo Ururaí (Relatório da 4ª Seção de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro apresentado à respectiva Diretoria em agosto de 1837. Rio de Janeiro: Imprensa Americana de I. F. da Costa, 1837).
O historiador José Alexandre Teixeira de Mello, valendo-se de palavras alheias, diz que ela tem “… cerca de 12 quilômetros de comprimento e metade de largura. Recebe as águas dos rios Imbé e Urubu e dela nasce o Ururaí, que vai terminar na Lagoa Feia. Limpa de vegetação estranha, de um aspecto verdadeiramente pitoresco e poético, só lhe faltam as vivendas confortáveis e acasteladas do europeu para não temer confronto com os afamados lagos da Suíça.” (Campos dos Goitacazes em 1881. Rio de Janeiro: Laemmert, 1886). Quanto à sua fama de lago suíço, firmou-se ela até os dias que correm, muito embora seu estado de degradação a tenha transformado numa pálida imagem do que foi outrora.
Alberto Ribeiro Lamego entendia que “Este grande lençol d’água nada mais é que o rio Imbé, imobilizado pelas argilas que o Paraíba e o antigo rio Preto depositaram à margem dos tabuleiros entre Itereré e o Itaoca (…) O Imbé descansa na lagoa de Cima e dela sai na outra extremidade com o nome de Ururaí.” (Ciclo Evolutivo das Lagunas Fluminenses. Bol. 118. Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, Departamento Nacional de Produção Mineral. Divisão de Geologia e Mineralogia, 1940).
Imediatamente abaixo da lagoa de Cima e associadas ao rio Ururaí, situam-se as duas lagoas do Pau Funcho. Ambas podem ser consideradas marginais ao rio Ururaí e sujeitas à inundação na época das cheias. Ainda hoje, quando chove bastante, as duas lagoas tentam recuperar seus antigos leitos.
O Departamento Nacional de Obras e Saneamento abriu, na década de 1930, dois canais de drenagem e praticamente eliminou as duas lagoas. O uso do solo pelos proprietários em torno de ambas foi insustentável do ponto de vista ecológico. Assim, a sua fertilidade foi decrescendo e a produtividade de cana foi decaindo.
A fazenda de Santa Rita do Pau Funcho, que ladeia a primeira lagoa, foi ocupada pelo MST. Se os antigos proprietários surrupiaram a fertilidade do solo em busca de ganhos fáceis e acabaram por esgotá-lo, entende-se que o Incra, o MST e o governo do Estado do Rio de Janeiro reproduziram os antigos padrões de uso do solo.
A lagoa do Pau Funcho dentro da fazenda transformada em assentamento rural deveria ter seu espelho d’água demarcado na cheia máxima, contando, a partir dele, cem metros nas margens, o que constituiria a faixa marginal de proteção básica, que deveria ser ocupada com a vegetação nativa suprimida. Mas, em vez de protegida, a primeira lagoa do Pau Funcho foi aterrada com o consentimento dos próprios assentados. Cabe agora salvar a outra. O melhor caminho é incluí-la na Área de Proteção Ambiental do Morro do Itaoca.
Na zona de colinas e maciços costeiros, existiam ainda lagoas que mereciam proteção. A mais conhecida era a lagoa dos Patos. A abertura e a expansão da BR-101, contudo a mutilou de forma irreversível.