Por Gilbert F. Houngbo*
A água permeia todas as principais questões globais: da saúde à fome, da equidade de gênero aos empregos, da educação à indústria, dos desastres à paz.
Por isso, ela deve ser parte integrante de todos os encontros globais sobre como tornar o mundo um lugar melhor, mais seguro e mais justo. Atualmente, não é o que acontece.
Na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável – a principal estrutura do esforço internacional para erradicar a pobreza extrema – o sucesso de cada um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) depende do bom funcionamento do ciclo global da água.
Na COP 27, o fato de a água e a mudança climática estarem intrinsecamente ligadas foi refletido no formato do evento, mas, mesmo assim, a água ainda não é um tópico independente para a revisão e os relatórios regulares no processo da COP.
À medida que lutamos contra a mudança climática e nos esforçamos para construir um mundo melhor, a água deve ser incorporada às estruturas globais de referência, incluindo o Acordo de Paris, a Agenda 2030, ao Marco de Sendai para Redução de Risco de Desastres, o Comitê de Segurança Alimentar Mundial e outros.
Sem essa integração, não conseguiremos controlar as grandes crises que ameaçam a vida na Terra e ter a esperança de um amanhã melhor.
No caso da mudança climática, a água deve estar no centro de nossos planos de mitigação e de adaptação aos impactos de climas mais extremos e erráticos.
Por exemplo, a proteção, a restauração e a expansão dos ecossistemas relacionados à água são essenciais para salvaguardar a biodiversidade e capturar carbono da atmosfera.
Ao mesmo tempo, os sistemas de água e de saneamento – existentes e novos – devem ser projetados para resistir a um contexto cada vez mais hostil.
Os sinais estão claros. Em apenas 20 anos, desastres relacionados a inundações aumentaram 134% e o número e a duração das secas, 29%. Neste cenário, cerca de dois bilhões de pessoas não têm acesso à água potável e 3,6 bilhões de pessoas vivem sem um banheiro seguro. Claramente, o progresso para alcançar o ODS 6 – água e saneamento para todos até 2030 – está seriamente ameaçado.
Não temos escolha a não ser agir de forma mais rápida e mais inteligente, em todos os setores, para resolver a crise da água em prol de todos os aspectos do desenvolvimento sustentável.
A mitigação e a adaptação climáticas relacionadas à água devem ser vistas como um novo “contrato social” entre nós e as gerações futuras.
Em nossas próprias vidas, todos e todas nós podemos ser mais conscientes sobre nossa pegada hídrica e desperdiçar menos água.
No nível individual, esse será um pequeno preço a pagar para proteger nossos bisnetos. No entanto, o impacto para o sistema global será considerável, mas essencial.
Os recursos financeiros devem ser mais bem direcionados e novos fundos mobilizados para a infraestrutura e os sistemas necessários para construir e manter serviços relacionados à água em toda a sociedade e na economia.
Esperança – Há sinais encorajadores. No nível nacional, uma atenção maior já está sendo dada à água à medida que os países fazem planos nacionais para se adaptar aos impactos da mudança climática e para reduzir as emissões. Eu saúdo isso e encorajo todos os países a seguirem o exemplo.
No entanto, esta é uma questão muito grande para os Estados-membros resolverem individualmente. O sistema multilateral existe, justamente, com o propósito de orquestrar uma resposta a desafios globais complexos como este.
O Governo do Egito, que sediou a COP27, lançou a “Ação para Adaptação e Resiliência da Água” projetada para tornar a ação integrada sobre água e clima uma prática padrão em iniciativas relacionadas aos ODS. Este é um sinal bem-vindo de que os tomadores de decisão estão começando a reconhecer a água pelo que ela é: um meio de resiliência, um solucionador de problemas e um conector primário entre todos os principais desafios que enfrentamos.
O impulso da COP27 nos levará à Conferência da Água das Nações Unidas de 2023, a primeira desta natureza desde 1977. Os coanfitriões Tadjiquistão e Holanda exortam o mundo a se unir em torno da água para seguir uma abordagem que seja “orientada para a ação”, “inclusiva” e “intersetorial”.
Precisamos aproveitar o impulso criado na COP27 e convertê-lo em uma nova Agenda de Ação pela Água.
Cabe a todas e todos resolver a crise da água. E isso só pode ser feito quando a água estiver na agenda de todas as pessoas.
* Presidente da UN-Water e diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT