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Arthur Soffiati

Arthur Soffiati

- Historiador com doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaborador com a imprensa e autor de 26 livros.

As bases geológicas de São Francisco de Itabapoana

Para compreender a realidade e os problemas do município de São Francisco de Itabapoana, é necessário conhecer suas bases geológicas, suas bacias hídricas, suas lagoas, sua cobertura vegetal nativa, os povos que se instalaram no seu território antes da chegada dos europeus, a invasão e a conquista do futuro Brasil perpetradas pelos portugueses, a cultura exótica que eles construíram nesta parte do continente americano, a destruição dos ecossistemas aquáticos continentais, a supressão dos ecossistemas vegetais nativos, a implantação de lavouras, de pastos e de núcleos urbanos. Enfim, de um modo de vida produzido na Europa e transplantado para cá.

Iniciemos com a base geológica. Antes de tudo, não conseguiremos decifrar o município de São Francisco de Itabapoana sem situá-lo num contexto mais amplo. Observemos o mapa abaixo. O território serrano quase descreve um arco, alcançando ambas as extremidades dele a linha costeira: no norte, as imediações da foz do rio Itapemirim; no sul, o rio Macaé. A barriga do arco é toda ela formada por terras transportadas da zona serrana e depositadas no mar. Trata-se, portanto, de uma vasta área acrescida ao continente.

Ecorregião de São Tomé
Ecorregião de São Tomé

Juntamente com vários estudiosos, José Saturnino da Costa Pereira disse, em 1848, que “Desde o paralelo das ilhas de Santa Ana até a ponta de Benevente, na Província do Espírito Santo, a praia se afasta consideravelmente da cadeia das montanhas do interior; e deixa um intervalo, que vai, em alguns lugares, até 13 léguas, formando um terreno chato, e muito baixo: este terreno se estende por baixo d’água, e constitui o que os caboteiros chamam de Cabo de S. Tomé.” (“Apontamentos para a formação de um roteiro das costas do Brasil com algumas reflexões sobre o interior das Províncias do litoral e suas produções”. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1848) O geólogo canadense Charles Frederick Hartt viu a cadeia da Serra do Mar se afastar da costa, quando, na verdade, foi a costa de se afastou da serra (“Geologia e geografia física do Brasil”. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941).

Examinando agora com detalhe toda essa terra depositada no mar, encontraremos formações geológicas de distintas origens e idades. Nela, identificamos duas unidades de tabuleiros, também chamadas de barreiras, com idade em torno de 60 a 5 milhões de anos. De norte para sul, a primeira se estende do vale do rio Itapemirim à margem esquerda do rio Paraíba do Sul. A segunda está compreendida no território de Quissamã, da margem direita da lagoa Feia até pouco adiante da cidade de Carapebus.

No centro deste arco, em posição quase equidistante dos seus dois extremos, domina soberana a imensa planície aluvial formada pelo rio Paraíba do Sul, que começou a se constituir há cerca de 5.000 anos. Ainda dentro do arco, encontramos outras planícies aluviais com idade aproximada a esta, mas não com tamanha extensão. As mais significativas são as dos rios Itapemirim, Itabapoana e Macaé.

Por fim, na parte mais externa do arco, erguem-se três restingas. A do norte, imprensada entre o tabuleiro setentrional e a margem esquerda do rio Itabapoana, é conhecida como Marobá. A do centro não apenas é a maior das três, mas também a maior do Estado do Rio de Janeiro. Ela se distende de Guaxindiba ao cabo de São Tomé, alargando-se para o interior até a lagoa do Campelo. Formada pela ação conjugada do rio Paraíba do Sul e das correntes marinhas, ela é a mais nova das três, começando a se formar há 5.000 anos.

Mapa do município de São Francisco de Itabapoana
Mapa do município de São Francisco de Itabapoana

O município de São Francisco de Itabapoana, desmembrado de São João da Barra, limita-se ao norte pelo rio Itabapoana e ao sul pelo Paraíba do Sul. Sempre de olho no mapa, notaremos que a maior parte de seu território se situa no tabuleiro setentrional do arco, englobando ainda a porção norte da maior restinga da região, à margem esquerda do rio Paraíba do Sul, bem como uma parte muito estreita da planície aluvial formada por este rio e uma parte da planície aluvial formada pelo rio Itabapoana. A partir da praia de Guaxindiba, a faixa arenosa da costa começa a se estreitar até se converter numa fita que orla os tabuleiros. Em alguns pontos, este encosta no mar, como nas pontas de Buena (conhecida como Caveira no século XIX) e do Retiro, onde restou um pináculo das falésias dentro do mar, resultante do avanço deste sobre a formação barreira e de sua erosão, mas que foi demolido pela ação do mar. É neste ponto que se encontra a mais bela praia de São Francisco de Itabapoana.

Ponta da Caveira hoje já modificada pela erosão marinha. Foto Wellington Rangel
Ponta da Caveira hoje já modificada pela erosão marinha. Foto Wellington Rangel
Ponta do Retiro com pináculo hoje removido por ação do mar. Foto: Ricardo Avelino
Ponta do Retiro com pináculo hoje removido por ação do mar. Foto: Ricardo Avelino