Um inverno quase sem frio, a primavera que começou com calor de verão e as tragédias com chuvas extremas no sul do Brasil tornam muito claro, este ano, que as mudanças climáticas deixaram de ser uma ameaça e já são uma realidade, que vai mexer com o que todos nós entendemos por clima. Mas será que elas irão impactar a produção de alimentos para garantir segurança às populações? Um trabalho científico, que tem o professor Flávio Justino, do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV como um dos autores, abordou especialmente o futuro da agricultura no contexto de mudanças climáticas que afetam, de modos diferentes, grandes e pequenos agricultores na América do Sul.
Segundo os autores, a variabilidade e as alterações meteorológicas nas últimas décadas já provocaram perdas significativas de colheitas na região avaliada. Como se isso não bastasse, os custos socioeconômicos duradouros das inundações, ondas de calor, incêndios florestais e tempestades de granizo atingem gravemente os agricultores e as comunidades locais. Esses extremos climáticos já respondem por 26% dos danos e perdas na agricultura nos países menos desenvolvidos e de rendimento médio-baixo.
A situação é agravada pelo fato de que, na maioria dos países da América do Sul, a agricultura ainda depende muito das práticas agrícolas de pequenos produtores, que são mais vulneráveis à variabilidade climática interanual, a eventos extremos e a mudanças nos padrões climáticos regionais. “Além de secas e inundações, os produtores rurais ainda precisam lidar com surtos de pragas e doenças que prejudicam os sistemas agrícolas. Esta é a primeira vez que uma pesquisa foca este grupo, considerado fundamental para a segurança alimentar e a economia desses países”, explica o professor Flávio Justino.
Clima impacta de modo diferente os produtores agrícolas
O estudo mostra que se, à primeira vista, algumas mudanças já percebidas no clima nesta região até parecem animadoras, na realidade, não o são. Alguns resultados dos modelos agrometeorológicos apontam para o crescimento na produção de cultivos nas regiões sul do Chile e do Brasil, favorecido pelo aumento da temperatura. Dados recentes também sugerem uma tendência positiva na produtividade do milho na Colômbia, Equador e Uruguai, bem como da soja na Bolívia e no Uruguai. As tendências também indicam que a fertilização por CO2 promete impactos positivos para o setor agrícola no Peru e nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, onde os aumentos de produtividade podem chegar a cerca de 40%.
A situação parece positiva, mas o problema é que os impactos dos eventos climáticos extremos no setor agrícola são muito complexos e variáveis. Já se sabe, por exemplo, que o uso de sistemas de cultivo duplo, embora com resultados muito bons nos últimos anos, pode estar em risco, principalmente devido à previsão de diminuição das precipitações, de atraso no início da estação chuvosa e do aumento da temperatura, o que não seria bom para a economia dos países produtores de duplas safras, como é o caso do Brasil, por exemplo.
Ainda de acordo com os pesquisadores, há outro problema que aprofunda ainda mais as desigualdades já existentes. Mudanças ambientais que podem ser positivas tendem a favorecer apenas grandes produtores, que têm melhores condições de se adaptar aos eventos extremos de tempo e clima, o que não acontece com os pequenos e médios agricultores.
Políticas para gestão das mudanças no clima
A pesquisa alerta que os efeitos dos eventos extremos sobre a agricultura exigem esforços coletivos e urgentes para estabelecer protocolos de gestão mais seguros, eficientes e sustentáveis para todos. É necessário estimular políticas que promovam o desenvolvimento de sistemas de alerta precoces e tecnicamente precisos, bem como a correta interpretação dos riscos que correm os produtores rurais, até mesmo para subsidiar possíveis seguros de safras. “Será preciso investir, portanto, em ferramentas e tecnologias para detecção precoce e em bons mapas de riscos climáticos. A adaptação e a mitigação dos novos efeitos do clima exigem tecnologias que envolvam abordagens interdisciplinares”, afirma o professor.
Os pesquisadores ressaltam ainda que as políticas para minimizar os impactos adversos das mudanças climáticas devem levar em conta gestões para incentivar o aumento da biodiversidade; o aprimoramento das biotecnologias e ferramentas genômicas; a seleção de novas variedades; a modificação da distribuição das variedades atuais; o uso de espécies mais tolerantes às condições desencadeadas pelas alterações do clima; o aumento na produção de novas cultivares, melhorias na irrigação e mais eficiência no uso de fertilizantes. “A agricultura inteligente, em termos climáticos, exige investimentos contínuos em tecnologias. São iniciativas que devem começar já, sobretudo, porque, como reafirmamos, as populações desses países dependem do agronegócio e os pequenos e médios produtores precisam de políticas públicas que também os ajudem a tomar decisões com bases mais sólidas”.
Divulgação Institucional
A pesquisa citada nesta matéria está alinhada aos itens 2 (Fome zero e agricultura sustentável); 10 (Redução das desigualdades) e 13 (Ação contra a mudança global do clima) dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).