Visto por muitos como literalmente a salvação da lavoura, um projeto de lei que regulamenta a mudança da classificação climática para semiárida em 22 municípios do Norte e Noroeste Fluminense é encarada por ambientalistas e outros pesquisadores como um atestado de que a humanidade está mudando a natureza de forma perigosa para ela própria.
O Rota Verde buscou diferentes visões sobre o projeto de lei (PL 1440/2019), que foi aprovado por uma comissão especial da Câmara dos Deputados no início deste mês. Nesta reportagem, a primeira de uma série, o Rota traz detalhes da proposta que sugere benefícios a produtores rurais destas regiões a partir da mudança do clima ao longo de décadas.
O projeto, apresentando e defendido por políticos da região, foi construído com a participação do professor José Carlos Mendonça, meteorologista da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), que mostrou em dados que a mesorregião caminhava a passo largos para se tornar semiárida, revelando o clima como complicador para diversos problemas aos agricultores, causando insegurança ao processo produtivo.
“Você não muda um clima por lei. O que está por trás disso é o embasamento. A gente vem acompanhando a questão climática, que de fato vem alterando. As secas prolongadas, as chuvas concentradas… É um fato comprovado nas nossas estações meteorológica que diminuiu a chuva, aumentou a temperatura, reduziu a umidade relativa, aumentou assustadoramente a evaporação. Estamos mais quente e mais seco”, pontua o meteorologista.
Ainda segundo ele, não é que hoje a região seja semiárida, mas o cenário climático caminha para isso. Um dos exemplos dado pelo meteorologista é o recente relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O documento apontou que a média anual das emissões de gases de efeito estufa globais tem crescido, fazendo com que a contenção do aquecimento global esteja fora de alcance.
“Na média anual geral, nós somos subúmido seco, que é um degrau abaixo do semiárido. Só que isso já vem sendo dito desde 2004, desde os primeiros relatórios apontando este índice de aridez. De lá para 2022, são quase 20 anos. O que foi feito para reduzir este índice ascendente de aridez? Nada. Então se nada está sendo feito e a gente continua em direção ao semiárido, daqui a dez anos isso só vai crescendo”, avalia o professor.
Segundo o meteorologista, além das questões naturais possíveis, como as variações no ciclo solar, por exemplo, vêm das intervenções humanas os maiores aceleradores destas alterações climáticas.
De acordo com o estudo do IPCC, existem provas cada vez maiores de que as alterações climáticas vistas em todo o mundo são resultado de “mais de um século de energia e utilização insustentável da terra, estilos de vida e padrões de consumo e produção problemáticos”.
Os estudos mundiais mostram ainda que, desde 1800, as atividades humanas têm sido o principal impulsionador das mudanças climáticas, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás para geração de energia, atividades industriais e transportes.
A conversão do uso do solo, a própria agropecuária, o descarte de resíduos sólidos (lixo) e o desmatamento estão entre os agravantes ao efeito estufa e consequentes alterações climáticas.
“O INMET lançou recente as normais climatológicas dos últimos 30 anos. Em Campos eu fiz o relatório. A nossa chuva diminuiu. É dado oficial que a nossa média de chuva anual hoje caiu abaixo dos três dígitos 981,6 mm
A temperatura média do ar que era 23 graus, hoje já está em 24.6. A umidade relativa do ar que era 88,5, já está com 76. Não é só o total anual, mas como esta chuva é distribuída. O que adianta choveu fevereiro, aquela tromba d’água toda, parou de chover, ficou 45 dias sem uma gota d’agua”, ressalta Mendonça.